Oração teresiana

Oração teresiana

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Teresa é uma mulher de grande capacidade para a relação interpes­soal. Aberta ao outro em acolhimento e em doação. Daí procede a sua vida e ensinamento da oração: «tratar de amizade estando muitas vezes tratando a sós com quem sabemos que nos ama» (V 8,5).

Oração de Teresa

Depressa nos mostra a sua “maneira de orar”. Depois de um breve tempo de busca, lendo “muitos livros”, encontra no Terceiro Abecedário, de Francisco de Osuna, “a oração de recolhimento” e decide “seguir aquele caminho com todas as suas forças (V 4, 6).

Mais para a frente, ela mesma já formula o seu “modo de proceder”: “Procurava representar a Cristo dentro de mim, e encontrava-me melhor aonde O via mais só e necessitado”. Explica com profunda sensibilidade feminina: “Parecia-me que, estando só e aflito, como pessoa necessitada, me havia de admitir a mim” (V 9,4). Quando mais tarde propunha a oração aos seus discípulos, escreverá: “Eu vos confesso que nunca soube o que era rezar com satisfação até que o Senhor me ensinou este modo; e sempre encontrei tanto proveito…” (C 29,7). A oração aparece já como uma relação de amizade. Uma amizade que, pouco a pouco, “recolhe” amorosamente a vida do orante na pessoa de Jesus, “divino e humano, juntos” (6M 7,9).

Nesta relação sublinha com força e convicção a presença do Outro, do amigo verdadeiro: “e com que boa vontade está connosco” (C 29,6). Deus “é tão bom vizinho, e tanta a sua misericórdia e bondade…, estima muito que O queiramos e procuremos a Sua companhia…” (2M 1,2). Ele é o principal orante, quem se mostra mais activo, mais paciente na oração. “Tem um particular cuidado de comunicar-se connosco e de nos andar rogando para que estejamos com Ele” (7M 3,9).

E, com estes breves apontamentos, entendemos que o acto de oração é uma exigência do amor que responde a quem tanto nos ama, e não um cumprimento da lei. Desde o princípio do caminho de oração, esta deve ser vivida em clave de amor, acolhido, ao qual respondemos.

Teresa apresenta-se como uma mulher com uma clara e decidida inclinação para a oração pessoal. Desde criança vive a oração estreitamente unida à verdade. Em companhia do seu irmão Rodrigo, transmite-nos a forte vibração que lhes causava repetir que, “pena e glória eram para sempre… e gostávamos de dizer muitas vezes: para sempre, sempre, sempre!” Continua dizendo, já em singular: “por pronunciar isto muito tempo, era o Senhor servido me ficasse impresso, desde a infância, o caminho da verdade” (V 1,5; CF V 3,5).

Anos mais tarde, já exercendo de Mestra de oração, escreverá que “oração mental é entender estas verdades” (C 22,8): Quem é Deus, quem é o orante e “estudar como hei-de tornar a minha condição conforme à Sua” (C 22,7). Quem com quem. Assim definiu a oração: “Tratar de amizade estando muitas vezes a sós com quem sabemos que nos ama” (V 8,5). Relação interpessoal amorosa.

Vida de amizade em caminho. História de amizade em doação e acolhimento progressivo; doação e acolhimento em progressão de gratuidade e interiorização; em fé. Porque, concebida como amizade, expressão de vida em comunhão, a oração exige encontros frequentes em solidão “compartilhada”. Teresa distingue bem o próprio e o específico do acto de oração: os que oram “estão vendo que [Deus] os olha” (V 8,2). O acto de oração é ter consciência explícita da relação com o “Amigo que nunca falta”.

Pedagogia do acto de oração

No Caminho de Perfeição, autêntico catecismo de oração, Teresa oferece-nos uma breve e luminosa práxis da oração de recolhimento, pensando sobretudo naqueles que não podem meditar, como era o seu caso. Define-a com estas palavras: “a alma recolhe todas as potências e entra dentro de si com o seu Deus” (C 28,4). Pormenoriza depois: recolher-se é “fortalecer-se… a alma à custa do corpo e que a deixa só e enfraquecido, e ela abastece-se ali [toma provisões] para ir contra ele” (C 28,6). Fortalecimento do espírito, enfraquecimento do sensorial ou superficial no comportamento da pessoa.

Aconselha em primeiro lugar “buscar solidão”, acrescentando logo a seguir que seja uma solidão cheia da presença do Amigo e Mestre que nos ensina esta oração: “Representai-vos o mesmo Senhor junto de vós e vede com que amor e humildade Ele vos está a ensinar” (C 26,1). E já tinha advertido antes que a solidão não é um valor absoluto mas relativo: “para entender, [para dar-se conta] com quem estamos” (C 24,4b).

Polarização amorosa, de comunhão com o Amigo-Mestre, Jesus. Assim o especificará, dizendo o que não é oração e o que é: “não vos peço que penseis n’Ele, nem que tireis muitos conceitos, nem que façais grandes e delicadas [agudas] considerações”. Que é orar? “Não vos peço mais que O olheis”, afirma Teresa; ou seja, não eu com os meus pensamentos, com as minhas sensações psicológicas, mas com Ele. “Veja que o Senhor o olha” (V 13,22). “Veja”, advirta, imperativo amoroso, “que o Senhor o olha”, no presente, porque Jesus, Deus nunca nos deixa de envolver com o seu olhar, com o seu amor.

Pedagogia do orante

Nunca insistiremos bastante sobre isto: formar o orante, formar a pessoa na relação com Deus, com os seus semelhantes. Os capítulos 4 a 21 e 23 do Caminho de Perfeição são fundamentais, como se lê nas linhas introdutórias do capítulo 4, 1-4.

Ali Teresa exorta para a importância do que vai escrever antes de falar directamente da oração. Ao apresentar a oração como “amizade”, advertia que “para ser verdadeira e que dure hão-de encontrar-se as condições” (V 8,5), a de Deus, Amor e a nossa, “sensual”, egocêntrica. E começou o Caminho de Perfeição recordando o sentido da sua proposta no mundo em que vivem: “Já vistes, filhas, a grande empresa que pretendemos alcançar”: ser bons amigos de Deus, ajudando assim a Igreja que está “por terra”, o mundo “em chamas”, a Cristo “a quem querem tornar a condenar” (C 1,5). Para o êxito desta empresa, deste objectivo tão essencial e urgente, mostra “que tais havemos de ser?” (C 4,1).

Teresa, “mestra de orantes”, não se apressa a formular a sua doutrina da oração. Primeiro aviso: “temos necessidade de trabalhar muito, ajuda muito ter altos pensamentos” (C 4,1). Isto deve cristalizar em “cumprir e ler… o dito até agora”, isto é, os três capítulos precedentes. Acrescenta seguidamente que se dispõe a dizer “algumas coisas que são necessárias ter [nas quais hão-de empenhar-se seriamente os que “pretendem levar caminho de oração”, “e tão necessárias que, sem ser muito contemplativas, poderão estar muito adiante no serviço do Senhor”, na comunhão de amizade com Ele. “E é impossível, se não as tiverem, ser muito contemplativas [muito amigas de Deus], e se pensarem que o são, estão muito enganadas” (C 4,3). Densidade e segurança na expressão. Ser orantes é outra coisa muito distinta de “fazer oração”, ou “ter oração”, ou como diz ela, ter amizade com Deus. Um acto exterior como “fazer” oração pode improvisar-se. “Ser amigo, ser orante”, não.

Teresa crê que com estas palavras introdutórias pode enunciar já essas três coisas “tão necessárias” “para os que pretendem levar caminho de oração”, “ser orantes, amigos”. E formula-as assim: “uma é o amor de umas para com as outras; outra, o desapego [libertação] das coisas criadas; a terceira, a verdadeira humildade que, embora a diga no fim [em último lugar], é a principal e as abrange todas” (C 4,4). A proposta teresiana poderia formular-se assim: “A verdade faz-te livre para amar”.

Estes cuidados capítulos sobre as três coisas necessárias há que lê-los à luz de Jesus, como ela os escreveu. Meditemos estas frases da Mestra: o amor de que ela nos fala “vai imitando o capitão do amor, Jesus” (C 6,9). “Torno outra vez a dizer que este amor se parece e vai imitando o amor que nos teve o bom amador Jesus” (C 7,4). Do desapego ou libertação de relações interpessoais possessivas, activas e/ou passivas, começa a sua exposição com estas palavras: “no desapego está tudo, se for com perfeição; digo que aqui está tudo, porque abraçando-nos só com o Criador e não se nos dando nada de todas as coisas…” (C 8,1).

Ao falar de desapego dos parentes, [parentes, e não só de sangue, mas também de ideias, sensibilidade, psicologia, etc.] dá um sentido muito mais interior à compreensão da tradicional “fuga mundi”: “não creio que esteja o remédio em fugir o corpo, mas em que determinadamente a alma se abrace com o Bom Jesus…, pois como n’Ele encontra tudo, tudo esquece” (C 9,5).

E a nível mais interior de libertação de si mesmo e da própria imagem, de narcisismos e soberbas, convida as suas irmãs: “ponde os olhos no Crucificado e tudo se vos fará pouco” (7M 4,8). Da humildade nasce a disponibilidade: “a verdadeira humildade consiste, em grande parte, em estar muito pronto em se contentar com o que o Senhor quiser fazer de cada um de nós”. O único verdadeiro e essencial, “é servir o Hóspede” (C 17,6), Jesus.

Serviço e amor em que se resolve a tradicional dicotomia entre a contemplação e a acção: “crede-me que Marta e Maria hão-de andar juntas para hospedar o Senhor, e tê-l’O sempre consigo” (7M 4,12).

Maximiliano Herráiz, OCD