Disfarçados

Disfarçados


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Seria ingénuo pensar que as pessoas se disfarçam somente no Carnaval e que as máscaras dos homens duram somente estes três dias antes da Quaresma.


Se observarmos sinceramente a nossa vida, encontramos, certamente, momentos de honradez, franqueza e clareza. Porém, ao mesmo tempo, todos sabemos que a nossa vida é, em grande parte, uma mentira.


De certo modo, pode-se dizer que mentimos a nós mesmos ao longo de toda a a nossa vida. Revestimo-nos de máscaras para fora e para dentro. E passamos a vida evitando, falsificando ou desfigurando os apelos da verdade.


Não se trata de pensar agora nas nossas mentiras, enganos e simulações de todos os dias, mas na grande mentira da nossa vida no seu conjunto. Na nossa capacidade de gritar a verdade em alta voz e exigir sempre dos outros grandes coisas, sem escutar jamais nós mesmos os apelos da nossa própria consciência.


Não é fácil sair da mentira quando passamos anos vivendo uma relação superficial connosco próprios. Não é fácil alguém libertar-se da própria covardia quando envolvemos com a vaidade e covardia toda a nossa vida com os seus projectos, ideais e relações.


Porém, o grande privilégio do homem é a insatisfação. No mais profundo do seu coração, algo resiste sempre e impede-o de descansar satisfeito na mentira.


Por isso, há momentos de graça tanto para o que crê como para aquele que se diz incrédulo. Momentos nos quais uma “luz interior” ilumina-nos com a clareza iniludível e revela-nos que na nossa vida falta: beleza, bondade, veracidade, autêntica amizade, verdadeiro amor.


Momentos de transparência que deixam tremendo o nosso coração e nos fazem irromper com palavras semelhantes às de Simão Pedro ao encontrar-se com Jesus: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou pecador!”.


É, então, que escutamos as palavras de Jesus: “Não temas!”. Não devemos temer que Deus descubra a verdade sobre a nossa vida, por mais feia e obscura que ela seja. Deus é maior do que a nossa consciência. Crer n’Ele é “aceitar sermos aceites apesar de sermos inaceitáveis” (J. P. Tillich).


Talvez, a nossa vida se joga nesses momentos privilegiados de luz e de verdade, quando somos capazes de vê-la sem máscaras nem disfarces. Se, então, tudo nos condena, escutemos o conselho de Santo Agostinho: “Se sentes vontade de escapar de Deus, não procures esconder-te d’Ele, esconde-te n’Ele”.

J. A. Pagola