O Papa recebe uma carta de um carmelita em estado terminal

O Papa Francisco recebeu uma carta do carmelita Pablo de la Cruz Alonso Hidalgo, 21 anos, que morreu, no dia 15 de julho, de cancro, apenas duas semanas depois da sua profissão "in articulo mortis".

Pablo escreveu ao Papa exprimindo a esperança de se ter juntado a ele e a todos os jovens na Jornada Mundial da Juventude em Portugal. Sabendo que não poderia estar fisicamente presente, Paulo pede que “lhe dê uma mão do céu...”

Eva Fernández, correspondente no Vaticano da COPE, emissora da Conferência Episcopal Espanhola, entregou a carta ao Papa, juntamente com uma estampa, desenhada pelo carmelita, para o seu velório. Durante o voo de Roma para Lisboa, o Papa reconheceu estar a para da história de Pablo.

Salamanca, 12 de julho de 2023

Caro Papa Francisco.

Sou Frei Pablo María de la Cruz Alonso Hidalgo, carmelita. Tenho 21 anos. No passado dia 25 de junho de 2023, recebi a graça de ser admitido à profissão religiosa, "in articulo mortis", fazendo voto de pobreza, obediência e castidade na Ordem do Carmo, no Convento de Santo Andrés de Salamanca, onde viveu São João da Cruz. Nesta altura só posso agradecer a Deus por este dom imerecido e grande que a nossa Mãe a Igreja me deu, através da Ordem do Carmo. O projeto de vida não poderia ser mais fascinante: “viver no dom de Jesus Cristo”.

Há 6 anos que luto contra o sarcoma de Ewing. Estou ciente de que tudo tem uma razão de ser, dentro dos planos de Deus. No meio a altos e baixos, dias melhores e piores, e com muita purificação pela doença, hoje olho para minha vida e posso dizer que fui e sou feliz. Descobri que o centro da minha vida não é a doença, mas Cristo. Como disse aos meus amigos, à minha família e aos meus irmãos carmelitas: "Pelo sofrimento na doença encontrei-me com Deus, e pela morte na doença irei com Ele. Por isso lhe agradeço".

Presentemente estou na unidade paliativa do Hospital Clínico Universitário de Salamanca e pressinto que o Pai, na sua infinita misericórdia, me chamará muito em breve para estar com Ele. Os médicos, nesta reta final, deram-me uma grande notícia: que poderei voltar ao convento e, lá, entregar minha vida a Jesus, morrendo no Carmo de Baixo, onde tantas graças recebi aos pés de Nossa Senhora do Carmo. O mistério da cruz presidiu à minha vida, mas posso gritar bem alto, com São Tito Brandsma, a quem me confiei, há alguns meses: "A cruz é a minha alegria, não a minha dor". No entanto, não estive sozinho neste período de doença: Jesus Eucaristia acompanhou-me todos os dias, sendo Ele o melhor paliativo e o melhor remédio para as minhas dores. Já pedi que anunciem no meu funeral que “quem quiser falar comigo é muito fácil, aproximem-se da Eucaristia, têm-me sempre lá online. Se sentirmos o mesmo fogo no amor de Jesus-Eucaristia, tu e eu, irmão, somos UM!"

Queria participar da JMJ de Lisboa consigo e com tantos jovens de todo o mundo que viajarão para lá nesses dias. Sei por experiência que o fogo interior que um jovem apaixonado por Jesus pode ter não pode ser apagado por ninguém. Peço ao Senhor que, em Lisboa, arda este fogo do Amor de Deus. Como gostaria que os jovens conhecessem Jesus, meu Amado! Ele deu-me tanto! Consolou-me tanto! Fez-me tão feliz! Estou fisicamente sem forças, mas a comunhão dos santos permitir-me-á participar de maneira mais profunda e não menos próxima de si. De facto, não sei se, quando receber esta carta, o poderei acompanhar na oração, ou se Deus, na sua infinita misericórdia, já me terá chamado. Neste caso, espero que me permita então deitar-lhe uma mão – e muito melhor! – do Céu, criar confusão e fazer festa, como o senhor bem diz.

Pedi muito ao Senhor para ser pequeno e pobre, e, assim, estar próximo dos mais pequenos, especialmente dos mais doentes e das suas famílias. A cruz deu-me um faro especial para ver o que está a acontecer com eles e a coragem de os abordar para tocar as suas feridas. Também quero que o meu oferecimento chegue às famílias dos doentes. Por isso, uno a debilidade da minha vida frágil – mas que sei ser preciosa aos olhos de Jesus – assim como as minhas intenções e as suas, aproveitando a JMJ. Peço ao Senhor, antes de mais, pela conversão dos jovens, para que se encontrem com o amor de Deus por meio de Jesus Eucaristia. Em segundo lugar, ofereço minha vida pela Igreja, nossa Mãe, e peço o auxílio da Virgem Maria para que todos os movimentos, itinerários, grupos eclesiais, Congregações e Ordens religiosas sejam um só, para que a divisão não lhe desfigure o rosto e resplandeça no meio do nosso mundo, e na própria Igreja, a beleza do Corpo de Cristo. E, terceiro, uno-me à paixão do Senhor para que a oferta da minha pobre vida, se o Senhor assim quiser, nos ajude a banir o medo da morte. O céu existe!

No Carmelo, Jardim de Deus, prelúdio do Céu, cresce Maria, o Girassol de Deus, a quem gosto de chamar e imaginar como a Virgem da Primavera. Peço-lhe que transforme os desertos de dor em jardins de consolação e nas suas mãos coloco a evangelização dos jovens.

Na minha oração, confio ao Senhor a Ordem Carmelita, a Diocese de Salamanca e toda a Igreja.

Que Jesus e Maria o acompanhem na ancianidade e no anúncio do Evangelho.

Rezo por si. Reze por mim.