Um vazio estranho

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“Vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu”

 Vivemos na “cultura do ter”. Isto é o que se afirma de diversas maneiras em quase todos os estudos que analisam a sociedade ocidental. Pouco a pouco, o estilo de vida do homem contemporâneo vai-se orientando para o ter, acumular e possuir. Para muitos, é a única tarefa rentável e sensata. Tudo o resto vem depois.

Certamente, ganhar dinheiro, poder comprar coisas e possuir todo o tipo de bens produz bem-estar. A pessoa sente-se mais segura, mais importante, com maior poder e prestígio. Porém, quando a vida se orienta apenas na direcção do acumular sempre mais e mais, a pessoa pode terminar por arruinar o seu próprio ser.

O ter não basta, não sustenta o indivíduo, não o faz crescer. Sem se dar conta, a pessoa vai introduzindo cada vez mais necessidades artificiais na sua vida. Pouco a pouco, esquece-se do essencial. Cerca-se de objectos, porém incapacita-se para uma relação viva com as pessoas. Preocupa-se com muitas coisas, mas não cuida daquilo que é importante. Pretende responder aos seus desejos mais profundos, satisfazendo necessidades periféricas. Vive no bem-estar, porém, não se sente bem.

Este é, precisamente, um dos fenómenos mais paradoxais na sociedade actual: o número de pessoas “satisfeitas” que terminam por cair na frustração e no vazio existencial. A partir da sua ampla e reconhecida Logoterapia, Viktor Frankl (médico psiquiatra austríaco: 1905-1997) mostrou a razão última deste “vazio existencial”. Tomadas pelo bem-estar, estas pessoas esquecem que, para desenvolver o seu ser, o indivíduo necessita de sair de si mesmo, servir uma causa, entregar-se, amar alguém, compartilhar. Sem esta “auto-transcendência” não há verdadeira felicidade.

Deste vazio nem mesmo a religião liberta quando também ela é convertida em objecto de consumo. A pessoa “tem” uma religião, porém o seu coração está distante de Deus; possui um catálogo de verdades que confessa com os lábios, porém não se abre à verdade de Deus. Trata de acumular méritos, mas não cresce em capacidade de amar.

É significativa a cena do Evangelho. Um rico aproxima-se de Jesus. Não lhe pergunta por esta vida, pois já a tem assegurada. O que deseja é que a religião lhe assegure a vida eterna. Jesus diz-lhe claramente: “Falta-te uma coisa: liberta-te dos teus bens e aprende a compartilhar com os necessitados”.

J. A. Pagola