Não temerei as feras

Não temerei as feras

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Não temerei as feras. Chama feras ao mundo, porque a alma que inicia o caminho de Deus julga que o mundo se lhe representa na imaginação à maneira de feras, que a ameaçam e metem medo. Isto acontece, sobretudo, de três maneiras. A primeira, julga que o favor do mundo lhe vai faltar e perderá os amigos, a estima, o valor e até as herdades. A segunda, uma fera maior, é pensar como há-de aguentar sem nunca mais poder gozar dos contentamentos e deleites mundanos e carecer de todos os seus prazeres. A terceira, diga-se que é uma fera ainda maior, e consiste em julgar que as línguas se levantarão contra ela para a ridicularizar, e que haverá grande falatório e troça para a desacreditar. Às vezes estas coisas antepõem-se de tal maneira a certas almas, que se lhes torna muito difícil não só perseverar contra estas feras, mas até mesmo começar o caminho.

Contudo, às almas mais generosas costumam apresentar-se outras feras mais interiores e espirituais, como sejam, dificuldades e tentações, tribulações e trabalhos de várias espécies pelos quais é conveniente passar. Deus manda-os aos que quer elevar a grande perfeição, provando-os e examinando-os como ouro no fogo, conforme diz David: Muitas são as tribulações dos justos, mas de todas elas os livrará o Senhor (Sl 33, 20). Contudo, a alma enamorada, que estima o seu Amado acima de todas as coisas, confiando no seu amor e no seu auxílio, não tem grandes dificuldades em dizer: Nem temerei as feras.

São João da Cruz