V Domingo do Tempo Comum

5º DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B - Mc 1, 29-39)

5 de Fevereiro de 2012

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos (Mc 1, 29-39)

29 Saindo da sinagoga, foram para casa de Simão e André, com Tiago e João. 30 A sogra de Simão estava de cama com febre, e logo lhe falaram dela. 31 Aproximando-se, tomou-a pela mão e levantou-a. A febre deixou-a e ela começou a servi-los. 32 À noitinha, depois do sol-pôr, trouxeram-lhe todos os enfermos e possessos, 33 e a cidade inteira estava reunida junto à porta. 34 Curou muitos enfermos atormentados por toda a espécie de males e expulsou muitos demónios; mas não deixava falar os demónios, porque sabiam quem Ele era.

35 De madrugada, ainda escuro, levantou-se e saiu; foi para um lugar solitário e ali se pôs em oração. 36 Simão e os companheiros foram à procura d'Ele. 37 E, tendo-o encontrado, disseram-lhe: «Todos te procuram». 38 Mas Ele respondeu-lhes: «Vamos para outra parte, para as aldeias vizinhas, a fim de pregar aí, pois foi para isso que Eu vim».

39 E foi por toda a Galileia, pregando nas sinagogas deles e expulsando os demónios.

 

Algumas perguntas  

- Jesus deixa a sinagoga para entrar na casa de Pedro. Tento seguir o percurso de Jesus: Ele chega até ao lugar mais íntimo da casa, a saber, o quarto com o leito. Reflicto, procurando e olhando, o “caminho” que está dentro de mim, casa de Deus. Deixo a Jesus a possibilidade de percorrer este caminho até ao fundo, até ao coração? Observo e tomo nota dos gestos de Jesus: Entra depressa, aproxima-se, toma a mão, levanta. São termos típicos da ressurreição. Não sinto o Senhor que me diz também a mim: “Levanta-te, ressuscita, nasce de novo!”? Sabiam quem Ele era. Pergunto a mim mesmo acerca da minha relação com o Senhor. Conheço-o verdadeiramente? Ou só ouvi falar d'Ele? Olho para dentro de mim e peço a Jesus que me ajude nesta relação de descoberta. “Mostra-me o teu rosto”. Jesus ora num lugar deserto. Tenho medo de entrar nesta oração que atravessa a noite e precede a luz? Tenho medo dos tempos de silêncio, de solidão, da companhia a sós com Ele? Tendo por vezes a fugir e a não querer parar?

- Faço uma pausa sobre os últimos versículos e trago à luz os verbos de movimento, de acção: “Vamos para outra parte, para pregar, vim, foi, pregando”. Sei que também fui chamado para caminhar e tornar-me anunciador do amor e da salvação de Jesus. Estou disposto, com a graça e a força que vêm desta Palavra que meditei, a tomar o compromisso concreto, preciso, ainda que seja pequeno, de anunciar e evangelizar?Aonde irei. Que passos decido dar?  Uma chave de leitura

A passagem da sinagoga à Igreja

A sinagoga é a mãe, mas a Igreja é a Esposa. Jesus, que é o Esposo, mostra-a e faz-nos conhecer a sua beleza e o seu esplendor, que ela irradia. Se experimentarmos segui-lo, nos evangelhos, damo-nos conta que Jesus nos conduz, por um caminho de salvação, da sinagoga até à Igreja. Marcos, como também Lucas, insiste muito sobre a relação que Jesus instaura com a sinagoga, que chega a ser o lugar privilegiado e sagrada da sua revelação, o lugar dos seus ensinamentos. Leio, por exemplo, Mc 1, 21 e Mc 6, 2, ou também Lc 4, 16 e 6, 6, e ainda Jo 6, 59; durante a paixão, Jesus dirá diante de Pilatos que ele sempre ensinou abertamente na sinagoga e no templo (Jo 18, 20). Mas é sobretudo o lugar das curas, onde Jesus se revela como Médico potente, que cura e salva: por exemplo, em Mc 1, 23 e 3, 1. Esta dupla acção de Jesus converte-se em ponte através da qual se passa para a nova casa de Deus, casa de oração para todos os povos, ou seja, a Igreja (Ef 5, 25), porque ele é a cabeça (Ef 1, 22; 5, 23), comprou-a com o seu próprio sangue (At 20, 28) e não cessa de a alimentar e cuidar dela (Ef 5, 29). Ela é o edifício espiritual constituído por pedras vivas, que somos nós, como diz São Pedro (1Pe 2, 4s). A vida surge de nós, como a água da rocha, se nos abandonarmos ao Senhor (Ef 5, 24) num dom recíproco de amor e de confiança, se perseverarmos na oração insistente e por todos (At 12, 5) e se participarmos na paixão do Senhor pela humanidade (Col 1, 24). A Igreja é a coluna e o sustentáculo da verdade (1Tim 3, 15), é belo caminhar com ela, unidos a Cristo, o Senhor.

 

A febre como sinal do pecado

Como diz a própria etimologia da palavra grega, a febre é como um fogo que se acende por dentro de nós mesmos e nos consome de modo negativo, atacando as nossas energias interiores, espirituais, tornando-nos incapazes de fazer o bem. No Salmo 31, por exemplo, encontramos uma expressão muito eloquente, que pode representar bem a acção da febre do pecado em nós: “o meu vigor consumia-se com o calor do Verão. Confessei-te o meu pecado e não escondi a minha culpa...” (Sl 32, 4s). O único modo para ser curado é o que vem assinalado no evangelho, a saber, a confissão,  levar diante do Senhor o nosso mal.

O livro da Sabedoria revela outro aspecto muito importante, quando diz que um fogo devorará os que recusam conhecer o Senhor (cf. Sab 16, 16).Também no livro do Deuteronómio a febre é apresentada como uma consequência do afastamento de Deus, da dureza do coração, que não quer escutar a sua voz e seguir os seus caminhos (cf. Dt 28, 15.22; 32, 24).

Jesus médico misericordioso

Esta passagem do Evangelho, como em muitas outras, faz-nos encontrar com Jesus, que como verdadeiro médico e verdadeira medicina, aproxima-se de nós para nos alcançar nos pontos mais feridos, mais doentes, e trazer-nos a sua cura, que é sempre salvação. Ele é o samaritano que ao longo do caminho da vida nos olha com um olhar penetrante e amoroso e não passa ao lado, mas aproxima-se, inclina-se, trata as feridas e deixa cair sobre elas a boa medicina que traz no seu coração. No Evangelho são muitíssimos os episódios em que são narradas as curas realizadas por Jesus; posso apresentar algumas, ainda que me limite ao evangelho de Marcos: Mc 2, 1-12; 3, 1-6; 5, 25-34; 6, 54-56; 7, 24-30; 7, 31-37; 8, 22-26; 10, 46-52. Pode ajudar-me fazer um trabalho de aprofundamento e de confronto, para interiorizar em mim as características de Jesus que cura e, assim, receber também eu, através da escuta profunda da sua Palavra, a cura interior e de todo o meu ser. Por exemplo, detenho-me nos verbos, nos gestos específicos que Jesus faz e que se repetem em muitas destas narrações e coloco mais à luz as palavras que Ele diz. Dou-me conta de que não são muitos os gestos de Jesus relativos à cura, mas a sua palavra: “levanta-te e vê; vai em paz; olha, a tua fé te salvou”. Raramente faz gestos especiais que atraiam a atenção e que assombrem; encontro estas expressões: “tomou-o pela mão, levando-o à parte, pôs, impôs as mãos”. Nestas narrações ecoa a palavra do salmo que diz: “Enviou a sua palavra e curou-os” (Sal 107, 20). Jesus é o Senhor, Aquele que cura, como foi proclamado no livro do Êxodo (cf Ex 15, 26), e pode sê-lo porque Ele mesmo carrega sobre si a nossa enfermidade, os nossos pecados: Ele é um Médico ferido, que nos cura com as sua feridas (cf Pe 2, 24-25).

A tarde, as trevas transfiguradas pela luz de Cristo

O tema da noite, da obscuridade, das trevas, atravessa um pouco toda a Escritura, desde os primeiros versículos, quando a luz aparece como a primeira manifestação da força do amor de Deus que cria e salva. Às trevas segue-se a luz, à noite o dia, e paralelamente a Bíblia faz-nos ver que também à obscuridade interior que pode invadir o homem se segue a luz da salvação e do encontro com Deus. “Para ti as trevas são como a luz”, diz o salmo 139, 12, e é verdade, porque o Senhor é a própria luz: “O Senhor é a minha luz e a minha salvação” (Sl 27, 1). No Evangelho de João, Jesus afirma de si mesmo que é a luz do mundo (cf. Jo 9, 5), para nos indicar que quem O segue não caminha nas trevas. Na verdade, é Ele, como Palavra de Deus, que se converte em lâmpada para os nossos passos neste mundo (cf. Sl 119, 105).

As trevas são muitas vezes associadas com as obras da morte, já que a obscuridade espiritual é igual à morte; posso ler, por exemplo, os salmos 88, 7 e 107, 10.14. O braço forte do Senhor não teme a obscuridade, mas Ele nos agarra e nos faz sair dela, rompendo as cadeias que nos oprimem. “Faça-se a luz”, é uma palavra permanente que Deus nunca se cansa de dizer e que a todos alcança, qualquer que seja a situação.Fica, Senhor, connosco, porque se faz tarde” (Lc 24, 9); é a oração dos dois discípulos de Emaús, mas que pode ser a oração de todos; assim como as palavras da esposa no Cântico dos Cânticos ressoam também nos nossos lábios: “Antes que se alarguem as sombras, regressa, ó meu amado!” (Ct 2, 17). São Paulo ajuda-nos a fazer um percurso interior muito forte, que nos aproxima de Cristo e nos salva do pecado. Deste modo convida-nos: “A noite vai adiantada, o dia está perto. Afastemos pois as obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz” (Rm 13, 12); “Todos vós sois filhos da luz e filhos do dia; nós não somos da noite nem das trevas (1Tes 5, 5ss). Mas também de muitas outras maneiras a palavra convida-nos a tornarmo-nos filhos da luz e transfigurados. Quanto mais nos apropriarmos da luz de Cristo tanto mais verdadeira será para nós a palavra do Apocalipse: “Não haverá noite, nem precisarão da luz da lâmpada, nem da luz do sol, porque o Senhor Deus os iluminará e reinarão pelos séculos dos séculos” (Ap 22, 5).

4º DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B - Mc 1, 21-28)

29 de Janeiro de 2012

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos (Mc 1, 21-28)

21 Entraram em Cafarnaum. Chegado o sábado, veio à sinagoga e começou a ensinar. 22 E maravilhavam-se com o seu ensinamento, pois os ensinava como quem tem autoridade e não como os doutores da Lei. 23 Na sinagoga deles encontrava-se um homem com um espírito maligno, que começou a gritar: 24 «Que tens a ver connosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos arruinar? Sei quem tu és: o Santo de Deus». 25 Jesus repreendeu-o, dizendo: «Cala-te e sai desse homem». 26 Então, o espírito maligno, depois de o sacudir com força, saiu dele dando um grande grito. 27 Tão assombrados ficaram que perguntavam uns aos outros: «Que é isto? Eis um novo ensinamento, e feito com tal autoridade que até manda aos espíritos malignos e eles obedecem-lhe!». 28 E a sua fama se espalhou por toda a parte, em toda a região da Galileia.

Chave de leitura

O texto do Evangelho deste quarto Domingo do Tempo Comum fala da admiração das pessoas ao ver como Jesus transmite a sua mensagem (Mc 1,21-22); depois apresenta o primeiro milagre em que se refere a expulsão de um demónio (Mc 1,23-26); finalmente, fala de novo da admiração das pessoas perante o ensinamento de Jesus e do seu poder de expulsar espíritos imundos (Mc 1,27-28).

Na década de 70, época em que escreve Marcos, as Comunidades da Itália tinham necessidade de orientação para saber como anunciar a Boa Nova de Deus ao povo que vivia oprimido pelo medo dos demónios, pela imposição de normas religiosas por parte do Império romano. Ao descrever as actividades de Jesus, Marcos indicava como as comunidades deviam anunciar a Boa Nova. Os evangelistas catequizavam contando os actos e acontecimentos da vida de Jesus.

O texto que agora meditaremos indica o impacto que a Boa Nova de Jesus teve sobre o povo do seu tempo. Durante a sua leitura procuremos ter em atenção o seguinte: Qual é a acção de Jesus que causava mais admiração às pessoas?

Algumas perguntas para nos ajudar a meditar e a orar

a) Qual é a parte de que mais gostaste?

b) O que é que terá causado maior admiração às pessoas do tempo de Jesus?

c) O que é que impelia as pessoas a perceber qual a diferença entre Jesus e os doutores da época?

d) O espírito do mal não tem poder nenhum diante de Jesus. Que impacto isto produz sobre as pessoas? 

e) Será que as acções da nossa comunidade produzem admiração entre as pessoas? Que acções?

 Contexto de ontem e de hoje

Neste domingo meditamos a descrição que o Evangelho de Marcos faz do primeiro milagre de Jesus. Nem todos os evangelistas contam os actos da vida de Jesus da mesma maneira. Face às necessidades das comunidades para quem se escrevia, cada um deles acentuava alguns pontos e aspectos da vida, actos e ensinamentos de Jesus que mais pudessem ajudar os seus leitores. Os leitores de Mateus viviam no norte da Palestina e na Síria; os de Lucas, na Grécia; os de João, na Ásia Menor; os de Marcos, provavelmente em Itália. Um exemplo concreto desta diversidade é o modo como cada um apresenta o primeiro milagre de Jesus. No Evangelho de João, o primeiro milagre sucede numas Bodas de Caná da Galileia, onde Jesus transformou água em vinho (Jo 2,1-11). Para Lucas o primeiro milagre é a tranquilidade com que Jesus se livra da ameaça de morte por parte do povo de Nazaré (Lc 4,29-39). Para Mateus, é a cura de um grande número de doentes e endemoniados (Mt 4,23), ou, mais especificamente, a cura de um leproso (Mt 8,1-4). Para Marcos, o primeiro milagre é a expulsão de um demónio (Mc 1,23-26).

Assim, cada Evangelista, na sua maneira de narrar as coisas, revela quais são, segundo ele, os pontos mais importantes nos actos e ensinamentos de Jesus. Cada um tem uma preocupação diferente que trata de transmitir aos seus leitores e às comunidades: hoje vivemos num lugar e numa época bem diversas dos tempos de Jesus e dos evangelistas. Qual é para nós a maior preocupação relativamente ao que acontece no Evangelho? Vale a pena que cada um se pergunte: Qual é, para mim, a maior preocupação?

Comentário do texto

Marcos 1,21-22: Admiradas pelos ensinamentos de Jesus, as pessoas desenvolvem uma consciência crítica. A primeira coisa que Jesus fez no começo da sua actividade missionária foi chamar quatro pessoas para formar uma comunidade com Ele (Mc 1,16-20). A primeira coisa que as pessoas percebem em Jesus é a sua forma diferente de ensinar e falar do Reino de Deus. Não é tanto o conteúdo mas sim o seu modo de ensinar que desperta a atenção. O efeito deste ensinamento diferente era uma consciência crítica nas pessoas em relação às autoridades religiosas da época. As pessoas percebiam, comparavam diziam: Ele ensina com autoridade, diferente dos escribas. Os escribas ensinavam as pessoas citando doutores, as autoridades. Jesus não citava nenhum doutor mas falava partindo da sua experiência de Deus e da vida. A sua autoridade nascia de dentro. A sua palavra tinha raízes no coração e no testemunho da sua vida.

Marcos 1,23-26: Jesus combate o poder do mal. Em Marcos, o primeiro milagre é a expulsão do demónio. O poder do mal lançava raízes nas pessoas e alienava-as de si mesmas. As pessoas viviam destroçadas pelo medo dos demónios e da acção dos espíritos impuros. Basta ver o interesse causado pelo “espectáculo” sobre o exorcismo dos demónios, mas não somente. Como nos tempos do Império romano, também hoje muitas são as pessoas que vivem alienadas de si mesmas por causa do poder dos meios de comunicação, da propaganda, do comércio. As pessoas vivem escravas do consumismo, oprimidas pelas facturas que têm que pagar numa data determinada pelos credores. Muitos pensam que não vivem como pessoas dignas de respeito se não compram o que a publicidade anuncia na televisão. Em Marcos, o primeiro gesto de Jesus é precisamente o de expulsar e combater o poder do mal. Jesus restitui as pessoas a si mesmas. Restitui a sua consciência e a sua liberdade. Será que a nossa fé em Jesus consegue combater contra estes demónios que nos tornam estranhos a nós próprios, da realidade e de Deus?

Marcos 1,27-28: A reacção das pessoas: o primeiro impacto. Os dois primeiros sinais da Boa Nova de Deus que as pessoas percebem em Jesus são estas: o seu modo diverso de ensinar as coisas de Deus e o seu poder sobre os espíritos imundos. Jesus abre um novo caminho de pureza para as pessoas. Naquele tempo, quem era declarado impuro não podia pôr-se diante de Deus para rezar ou receber a bênção prometida por Deus a Abraão. Primeiro devia purificar-se. Quanto à purificação das pessoas, existiam muitas leis e normas rituais que tornavam difícil a vida das pessoas e afastavam-nas, considerando-as impuras. Por exemplo, lavar o braço até ao cotovelo, lavar o rosto, lavar as taças de metal, jarros, vasilhas e bandejas, etc. (cfr. Mc 7,1-5). Agora purificadas pela fé em Jesus, as pessoas impuras podiam de novo prostrar-se na presença de Deus e não tinham necessidade observar todas as normas rituais. A Boa Nova do Reino, anunciada por Jesus, seria para aquela gente um suspiro de alívio e um motivo de grande alegria e tranquilidade.

Aumentando conhecimentos: a expulsão dos demónios e o medo das pessoas

*A explicação mágica dos males da vida

No tempo de Jesus, muita gente falava de Satanás e da expulsão de demónios. Havia muito medo entre as pessoas e muita gente se aproveitava do medo dos outros. O poder do mal tinha muitos nomes: demónio, diabo, Belzebu, príncipe dos demónios, Satanás, Dragão, Dominações, Potestades, Poderes, Soberania, etc. (Cf. Mc 3,22-23; Mt 4,1; Ap 12,9; Rom 8,38; Ef 1,21).

Hoje, quando as pessoas não sabem explicar um fenómeno, um problema ou uma dor, recorrem, por vezes, a explicações e remédios que vêm das tradições e culturas antigas e dizem: “é um mau olhado, é o castigo de Deus, é algum mau espírito”. E há pessoas que tratam de calar estes maus espíritos através da magia e de orações em voz alta. Outros buscam um exorcista para expulsar o espírito impuro. Outros, combatem a força do mal de outro modo: procuram entender as causas do mal. Procuram um médico, uma medicina alternativa, ajudam-se reciprocamente, fazem reuniões comunitárias, combatem a alienação das pessoas, organizam clubes de mães, sindicatos, partidos e muitas outras formas de associação para expulsar o mal e melhorar as condições de vida das pessoas.

No tempo de Jesus, o modo de explicar e resolver os males da vida era semelhante à explicação das nossas antigas tradições e culturas. Naquele tempo, como aparece na Bíblica, a palavra demónio ou Satanás indicava muitas vezes o poder do mal que desviava as pessoas do bom caminho. Por exemplo, nos quarenta dias no deserto, Jesus foi tentado por Satanás que queria conduzi-lo por outro caminho (Mc 1,12; cfr. Lc 4,1-13). Outras vezes, a mesma palavra indicava a pessoa que levava a outra por um caminho falso. Assim, quando Pedro tentou desviar Jesus do seu caminho, ele foi Satanás para Jesus: “Vai-te da minha frente, Satanás, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens” (Mc 8,33). Outras vezes estas mesma palavras eram usadas para indicar o poder político do Império romano que oprimia e explorava o povo. Por exemplo, no Apocalipse, o Império romano era identificado com “o grande Dragão, a Serpente antiga - a que chamam também Diabo e Satanás - o sedutor de toda a humanidade” (Ap 12,9). No Evangelho de Marcos, este mesmo Império romano é recordado com o nome de Legião, dado ao demónio que maltratava um homem (Mc 5,9). Outras vezes, as pessoas usavam a palavra demónio ou espírito para indicar as doenças e as dores. Assim se falava do demónio como de um espírito mudo (Mc 9,17), de um espírito surdo (Mc 9,25), do demónio ou espírito impuro (Mc 1,23; 3,11), etc. E havia pessoas exorcistas que expulsavam estes demónios (cfr. Mc 9,38; Mt 12,27).

Tudo isto indicava o grande medo que as pessoas tinham face ao poder do mal, a quem chamavam demónio ou Satanás. Na época em que Marcos escrevia o seu evangelho, este medo continuava a aumentar. Algumas religiões chegadas do Oriente divulgavam o culto aos espíritos que intercediam entre Deus e a humanidade, considerados demónios, demiurgos ou semideuses. Nestes cultos ensinava-se que alguns dos nossos gestos podiam irritar estes espíritos e que eles, para se vingar de nós, podiam impedir o acesso a Deus e privar-nos, assim, dos benefícios divinos. Por isto, através de ritos mágicos, orações em alta voz e cerimónias complicadas, as pessoas esforçavam-se por invocar e acalmar estes espíritos ou demónios, para que não sucedesse nenhum mal à vida humana. Esta era a forma que tinham encontrado para se defender dos influxos dos espíritos do mal. Este modo de viver a relação com Deus, em vez de libertar as pessoas, alimentava nelas o medo e a angústia.

* A fé na ressurreição e a vitória sobre o medo

Um dos objectivos da Boa Nova de Jesus era ajudar as pessoas a libertar-se deste medo. A chegada do Reino de Deus significava a chegada de um poder mais forte. Diz o evangelho de Marcos: “Ninguém consegue entrar em casa de um homem forte e roubar-lhe os bens sem primeiro o amarrar; só depois poderá saquear-lhe a casa” (Mc 3,27). O homem forte é a imagem que indica o poder do mal que mantém as pessoas prisioneiras no medo. Jesus é o homem mais forte que vem para amarrar Satanás, o poder do mal, libertando a humanidade prisioneira do medo. “Mas se Eu expulso os demónios pela mão de Deus, então o Reino de Deus já chegou até vós” (Lc 11, 20). Eis aqui a insistência dos escritos do Novo Testamento, sobretudo do evangelho de Marcos, na vitória de Jesus sobre o poder do mal, sobre o demónio, sobre Satanás, sobre o pecado e sobre a morte.

Como temos visto na leitura deste Domingo, no evangelho de Marcos, o primeiro milagre de Jesus é a expulsão de um demónio: “Cala-te e sai desse homem!” (Mc 1,25). O primeiro impacto que Jesus causa nas pessoas é produzido pela expulsão dos demónios: “manda aos espíritos malignos e eles obedecem-lhe!” (Mc 1,27). Uma das principais causas da discussão de Jesus com os escribas é a expulsão dos demónios. Eles caluniavam-no dizendo: «Ele tem Belzebu!». E ainda: «É pelo chefe dos demónios que expulsa os demónios» (Mc 3,22). O primeiro poder que os Apóstolos recebem quando são enviados em missão é o poder de expulsar demónio: “deu-lhes poder sobre os espíritos malignos” (Mc 16,17). Era como se fosse um refrão que não termina. Hoje em dia, em vez de usar sempre as mesmas palavras, usamos palavras diversas para transmitir a mesma mensagem e diríamos: “O poder do mal, o Satanás que tanto medo nos dá, foi vencido por Jesus que o amarrou, dominou, destruiu, abateu, eliminou, exterminou, aniquilou, matou!”. O que Marcos nos quer dizer é isto: “Aos cristãos é proibido ter medo de Satanás!”. Pela sua ressurreição e pela sua acção libertadora, presente no meio de nós, Jesus amarra o medo de Satanás, faz nascer a liberdade no coração, firmeza na acção e esperança no horizonte! Devemos caminhar pelo Caminho de Jesus com sabor de vitória sobre o poder do mal.

3º DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B - Mc 1, 14-20)

22 de Janeiro de 2012

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos (Mc 1, 14-20)

14 Depois de João ter sido preso, Jesus foi para a Galileia, e proclamava o Evangelho de Deus, 15 dizendo: «Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho».

16 Passando ao longo do mar da Galileia, viu Simão e André, seu irmão, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. 17 E disse-lhes Jesus: «Vinde comigo e farei de vós pescadores de homens». 18 Deixando logo as redes, seguiram-no.

19 Um pouco adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam no barco a consertar as redes, e logo os chamou. 20 E eles deixaram no barco seu pai Zebedeu com os assalariados e partiram com ele.

Algumas perguntas para nos ajudar na meditação e na oração

·         Cumpriu-se o tempo, está perto o Reino. Cremos que estamos na terra da Galileia e que o evangelho de Deus foi pregado para a nossa vida?

·         Jesus passa. Em que mar estamos a deitar as nossas redes?

·         Segui-me... e no mesmo instante seguiram-no. Existe um instante no nosso caminhar quotidiano em que prontamente nos decidimos a seguir o Senhor ou a nossa palavra de ordem é: espera um momento?

·         Sobre a barca consertavam as redes. Quantos destroços há no nosso pescar? Que barca usamos? Usamos a nossa ou a das nossas raízes passadas?

·         Chamou-os. O nosso nome nos lábios do Senhor. Ressoa a sua voz como voz que nos leva para longe do nosso mar?

Uma chave de leitura

Encontramo-nos perante o género literário de narrações de vocação no qual o que primeiro é indicado é a condição de vida da pessoa interpelada por Deus, a que se segue o chamamento expresso com palavras ou acções simbólicas e, finalmente, dá-se o seguimento, que inclui o abandono da actividade anteriormente apresentada. A narração que se trata traz ao pensamento o chamamento de Eliseu por parte de Elias (1 Re 19, 19-21) e o de Amós (Am 7, 15). A dependência de um modelo bíblico típico não exclui a realidade substancialmente histórica da narração evangélica. O chamamento realça, por vezes, uma intenção teológica precisa relativa ao evangelho de Marcos: trata-se da práxis missionária dos discípulos que serão enviados dois a dois (Mc 6, 7). A dinâmica do Reino está em linha com o projecto originário da criação quando o Senhor diz, pensando em Adão: “Não está bem que o homem esteja só: vou dar-lhe uma auxiliar que seja semelhante a ele” (Gen 2, 18). Na pregação um dará testemunho ao outro como diz a Escritura: “...sobre a palavra de duas ou três testemunhas” (cf. Mt 18, 16; Dt 19, 13).

v. 14 - Jesus foi para a Galileia e proclamava o Evangelho de Deus. A pregação de Jesus, iniciada na Galileia, tem por objecto o evangelho (“Boa Nova”) da iniciativa de Deus sobre o seu povo, a instauração do Reino. A pregação dos apóstolos, que desde a Galileia chegará a todas as partes da terra, terá por objecto o evangelho - “Boa Nova” - de Cristo Palavra que venceu a morte para fazer resplandecer a glória de Deus.

v. 15 - Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho. O tempo de espera (kairós) cumpriu-se, chegou o momento decisivo: Deus está para inaugurar o seu Reino. João Baptista pertencia ao tempo da preparação e terminou a sua tarefa: foi preso e calaram-no, Jesus pertence ao tempo da actuação do Reino. É um acontecimento presente que requer por parte do homem uma colaboração. Convertei-vos. A vinda do reino aponta para este espaço de liberdade onde quem quer que escute a sua proclamação pode vir para este espaço, virando-se para Cristo, ou afastar-se dele, ignorando ou recusando a boa notícia. Um Reino que está perto de todos, presente para quem o queira. Conversão, fé e seguimento são diversas facetas da mesma realidade: é o chamamento dirigido ao homem para seguir Jesus que é o tempo cumprido, Reino de Deus, Boa Nova.

v. 16 - Caminhando ao longo do mar da Galileia viu Simão e André. O mar da Galileia é o cenário da primeira fase do ministério de Jesus. Lago encravado entre montanhas, a 208 metros abaixo do nível do mar, com 21 km de comprimento e 11 km de largura, as suas águas estendem-se em forma de cítara, e eram uma fonte de riqueza pela abundância de peixes. Nas margens deste lago Jesus viu: é um olhar que contém e determina uma escolha de vida diferente da que diariamente se apresenta nestas margens cheias de pescadores, de barcos, de redes, de peixes. Simão e André, dois irmãos. A solidariedade do vínculo afectivo é fundamento para o novo vínculo de fé que converte irmãos para além dos laços familiares. Dois irmãos que têm um nome. Deus chama pelo nome em virtude daquela identidade e semelhança com o Nome eterno que faz de cada homem um espelho de semelhança.

v. 17 - Vinde comigo e farei de vós pescadores de homens. O seguimento está determinado por uma ordem bem precisa. Não é um convite mas um mandato. A palavra criadora de Deus, que chamou a luz e as outras criaturas para a vida, agora chama para participar na nova criação. O seguimento não aparece a partir de uma decisão autónoma e pessoal, mas do encontro de Jesus e do seu chamamento. É um acontecimento de graça, não uma escolha do homem. Jesus não espera uma livre decisão, mas chama com autoridade divina, como Deus chamava os profetas do Antigo Testamento. Não são os discípulos que escolhem o Mestre, como acontecia com os rabinos do seu tempo, mas é o Mestre que escolhe os discípulos como depositários não de uma doutrina ou de um ensinamento, mas da herança de Deus. O chamamento implica o abandono da família, da profissão, uma mudança total da existência por uma adesão de vida que não admite espaços pessoais. Os discípulos são homens do Reino. O chamamento para ser discípulo de Jesus é um “chamamento escatológico”.

v. 18 - Deixando logo as redes, seguiram-no. A resposta é imediata. Uma resposta que rompe os laços mais fortes. O verbo usado para indicar o seguimento é akolouthèin, um termo bíblico para indicar o acto do servo que acompanha o patrão para lhe prestar um serviço. É um seguir material, um literal “andar atrás”. Referido aos discípulos, expressa a participação plena na vida de Jesus e na sua causa.

vv. 19-20 - Um pouco adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam no barco a consertar as redes, e logo os chamou. E eles deixaram no barco seu pai Zebedeu com os assalariados e partiram com ele. O verbo chamar (kalein) é outro vocábulo típico do seguimento. Há um elemento novo em relação ao primeiro par: a figura do pai e dos assalariados. Também o pai tem um nome. O facto de que se prive dos seus filhos confere-lhe uma dignidade única. Ficará com os trabalhadores que substituem os filhos. A solidão do que fica não é nunca uma inconsiderada solidão.

Reflexão

João foi preso e Jesus dirige-se para a Galileia. Dois trajectos ao serviço do único Senhor. O tempo cumpriu-se. Aquele tempo que o homem não consegue prender nem possuir cumpre-se e exige uma mudança de rota. O tempo do mar, das redes que pescam noutro lugar. O homem é chamado a não deixar nada do que é. A sua identidade permanece, muda simplesmente o objecto do seu agir. Já não peixes mas homens. Já não uma relação de posse com as criaturas inferiores mas uma relação de igualdade com as criaturas da mesma dignidade. Há que fazer novas redes, as redes de uma pesca mais cansativa: são as redes da pregação que são lançadas no coração dos homens durante a noite da dor e da falta de sentido. Como uma chave, aquela palavra abre novos horizontes. Segui-me. Não se vai sozinho nesta nova aventura. Os laços não se rompem. Os irmãos são mais irmãos, compartilham ainda a existência amarga de ganhar o pão, já não o buscando para si, mas para o dar aos outros. Jesus, um homem entre tantos, é aquele Deus que se aproxima das margens do mar, um Deus que caminha pela vida humana. Um Deus que vê com olhos de homem, um Deus que fala com nova força: segui-me. E aqueles homens que eram pescadores, no mesmo instante tudo abandonam e seguem-no. Vão pescar noutro mar, o mar da terra firme, o mar das aldeias, do templo, das ruas. Vão ao apelo de um olhar que chama, um olhar capaz de convencer a deixar tudo, não só o barco, o mar, as redes, mas também o pai, a própria história, os próprios afectos, a origem do próprio existir. Amigos que pela tarde se sentiam seguros nas margens do mar da Galileia, deixam o seu próprio ambiente seguro para irem para mares distantes. É uma amizade antiga que parte, sem saber para onde, mas tendo no coração o calor de uma voz e um olhar: segui-me.

 

2º DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO B - Jo 1, 35-42)

15 de Janeiro de 2012

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João (Jo 1, 35-42)

 

35 No dia seguinte, João encontrava-se de novo ali, com dois dos seus discípulos. 36 Então, pondo o olhar em Jesus, que passava, disse: «Eis o Cordeiro de Deus!». 37 Ouvindo-o falar desta maneira, os dois discípulos seguiram Jesus. 38 Jesus voltou-se e, notando que eles o seguiam, perguntou-lhes: «Que pretendeis?». Eles disseram-lhe: «Rabi - que quer dizer Mestre - onde moras?». 39 Ele respondeu-lhes: «Vinde e vereis». Foram, pois, e viram onde morava e ficaram com Ele nesse dia. Era ao cair da tarde.

40 André, o irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram João e seguiram Jesus. 41 Encontrou primeiro o seu irmão Simão, e disse-lhe: «Encontrámos o Messias!» - que quer dizer Cristo. 42 E levou-o até Jesus. Fixando nele o olhar, Jesus disse-lhe: «Tu és Simão, o filho de João. Hás-de chamar-te Cefas» - que significa Pedra.

 

Para ajudar à leitura da passagem

vv. 35-36: No encontro com Jesus, João Baptista vive uma experiência fortíssima: de facto, é precisamente aqui, ao terceiro dia, quando o reconhece plenamente, o anuncia com todas as forças e o indica como verdadeiro caminho que deve ser seguido, como vida, que deve ser vivida. Aqui João diminui até desaparecer, e agiganta-se como testemunha da Luz.

vv. 37-39: Tendo acolhido o testemunho do seu mestre, os discípulos de João começam a seguir Jesus; depois de ter escutado a voz, eles encontram a Palavra e deixam-se interrogar por ela. Jesus olha-os, conhece-os e começa a dialogar com eles. Jesus leva-os consigo, introdu-los no lugar da sua morada e fá-los estar com Ele. O evangelista regista a hora precisa deste encontro cara a cara, desta mudança de vida entre os Jesus e os primeiros discípulos.

vv. 40-42: De imediato propaga-se o testemunho; André não pode calar o que viu e ouviu, o que experimentou e viveu, e converte-se em missionário, chamando o seu irmão Pedro para que também ele encontre Jesus. Ele, fixando o olhar naquele homem, chama-o e transforma a sua vida; era Simão, agora converte-se em Pedro.

Algumas perguntas

Agora procuro escutar melhor esta passagem, recolhendo cada palavra, cada conceito, estando atento aos movimentos e olhares. Procuro encontrar verdadeiramente o Senhor nesta passagem, deixando-me perscrutar e conhecer por Ele.

a) - «No dia seguinte, João encontrava-se de novo ali». Sinto nestas palavras, a insistência da procura, da esperança; sinto a fé de João Baptista que acredita. Os dias passam, a experiência do encontro com Jesus intensifica-se: João não afrouxa, não se cansa, pelo contrário, cada vez está mais convencido, luminoso. Ele está, permanece. Comparo-me com a figura do Baptista: Sou também eu um que está, permanece? Ou antes, retiro-me, canso-me, fatigo-me e deixo que a minha fé se apague? Eu estou ou sento-me, atendo ou não espero mais?

b) - «Então, pondo o olhar em Jesus». Há aqui um verbo belíssimo que significa “olhar com intensidade”, “penetrar com o olhar” e repete-se também no v. 42, referido a Jesus, que olha Pedro, para mudar a sua vida. Muitas vezes, nos evangelhos, é dito que Jesus fixa o seu olhar sobre os seus discípulos (Mt 19, 26), ou sobre uma pessoa em particular (Mc 10, 21); sim, Ele olha para amar, para chamar, para iluminar. O seu olhar nunca se separa de nós, de mim. Porquê continuar a fixar o olhar aqui e acolá, fugindo do amor do Senhor, que se fixou em mim e me escolheu?

c) - «Seguiram Jesus». Esta expressão, referente aos discípulos, não significa somente que eles começaram a caminhar na mesma direcção que Jesus, mas significa muito mais: que eles se consagraram a Ele, que comprometem a sua vida por Ele, para Ele. É Ele quem toma a iniciativa, eu sei, e é Ele que me diz: Tu, segue-me, como ao jovem rico (Mt 19, 21), como a Pedro (Jo 21, 22); e eu, como respondo? Tenho o valor, o amor, o ardor para lhe dizer: “Mestre, eu te seguirei aonde quer que vás” (Mt 8, 19) confirmando as palavras com as obras? Ou digo como aquele do evangelho: “Seguir-te-ei, mas deixa primeiro que...” (Lc 9, 61)?

d) - «Que pretendeis?». Por fim, o Senhor pronuncia as suas primeiras palavras no evangelho de João e são uma pergunta bem precisa, dirigida aos discípulos que o seguem, a nós e a mim pessoalmente. O Senhor fixa o seu olhar em mim e pergunta-me: «Que pretendeis?». Não é fácil responder a esta pergunta; devo descer ao fundo do meu coração e aí escutar-me a mim próprio, medir-me, verificar-me. Que procuro eu verdadeiramente? As minhas energias, os meus desejos, os meus sonhos, os meus haveres para onde se dirigem?

e) - «Ficaram com Ele». Os discípulos ficam com Jesus, começam a viver com Ele, a ter a habitação comum com Ele. Ainda mais, talvez comecem a experimentar que o próprio Senhor é a sua nova casa. O verbo usado aqui por João, pode significar simplesmente habitar, parar, mas também morar em sentido forte de habitar um com o outro. Jesus habita no seio do Pai e oferece-nos também a possibilidade de habitar n'Ele e na Trindade. Hoje, ele se dá, aqui, a mim, para juntos viver esta indizível, esplêndida experiência de amor. Que escolho, portanto? Páro também eu como os discípulos, e fico com Ele e n'Ele? Ou afasto-me subtraindo-me ao seu amor, e corro à procura de outra coisa?

 

f) - «E conduziu-o a Jesus». André corre a chamar o seu irmão Simão, porque quer compartilhar com ele o dom infinito que recebeu. Dá o anúncio, proclama o Messias, o Salvador, e tem a força de levar consigo o seu irmão. Converte-se em guia, em luz, em via segura. Esta é uma passagem muito importante: do encontro e do conhecimento de Jesus, ao anúncio. Não sei se estou preparado para isto, não sei se sou suficientemente aberto e luminoso para me tornar testemunha d'Ele, que se revelou com tanta clareza. Talvez tenha medo, vergonha, falta de forças, preguiçoso, mudo.

Uma chave de leitura

a) - Cordeiro de Deus

No versículo 36 João anuncia Jesus como o Cordeiro de Deus, repetindo o grito já feito antes, no dia anterior: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. A identificação de Jesus com o cordeiro está transbordante de alusões bíblicas, tanto no Antigo como no Novo Testamento.

- O cordeiro aparece já no livro do Génesis, no capítulo 22, no momento do sacrifício de Isaac; Deus provê um cordeiro, para que seja oferecido como holocausto em vez do filho de Abraão. O cordeiro desce do céu e toma sobre si a morte do homem; o cordeiro é imolado para que o filho viva.

- No livro do Êxodo, no capítulo 12, é oferecido o cordeiro pascal, sem mancha, perfeito; o seu sangue derramado salva os filhos de Israel do exterminador, que passa de casa em casa, durante a noite. A partir daquele momento todo o filho ficará assinalado, selado, por aquele sangue de salvação. Assim é aberto o caminho da liberdade, a via do êxodo, para chegar a Deus, para entrar na terra por Ele prometida. Começa aqui o caminho, que conduz até ao Apocalipse, até à realidade do céu.

- O elemento do sacrifício, da degolação, do dom total, acompanha constantemente a figura do cordeiro; este é oferecido todos os dias durante o holocausto quotidiano. É imolado em todos os sacrifícios expiatórios, de reparação, de santificação.

- Também os profetas falam de um cordeiro preparado para o sacrifício: ovelha muda, tosquiada sem sequer abrir a boca, manso cordeiro conduzido ao matadouro (Is 53, 7; Jer 11, 19). Cordeiro sacrificado todos os dias sobre o altar.

- No evangelho, é João Baptista quem descobre e anuncia Jesus como verdadeiro cordeiro de Deus, que toma sobre si o pecado do homem e o elimina com a efusão do seu puro e precioso sangue. É Ele, na verdade, o cordeiro imolado em vez de Isaac; é ele o cordeiro assado no fogo na noite de Páscoa, cordeiro da libertação: é Ele o sacrifício perene oferecido ao Pai, por nós; é Ele o servo sofredor, que não se revolta, não recrimina, mas que se entrega silencioso por nosso amor. São Pedro afirma-o claramente: “Vós estais libertos da vossa conduta graças ao sangue precioso de Cristo, cordeiro sem defeito e sem mancha” (1Pe 1, 19).

- O Apocalipse revela tudo sobre o Cordeiro. É Ele que pode abrir os selos da história, da vida de cada homem, do coração escondido, da verdade (Ap 7, 1.3.5.7.9.12; 8, 1), é Ele o vencedor, aquele que se senta no trono (Ap 5, 6), é Ele o rei, digno de honra, louvor, glória e adoração (Ap 5, 12). É Ele o Esposo, que convida para o banquete das bodas. Ele é o pastor (Ap 7, 17), a quem seguiremos para onde quer que vá (Ap 14, 4).

b) - Ver

Nesta passagem encontramos cinco vezes expressões referentes ao ver, ao encontro dos olhares. O primeiro é João, que tem já o olhar habituado a ver em profundidade e a reconhecer o Senhor que vem e passa; ele devia dar testemunho da luz e por isso ele tem os olhos iluminados por dentro. Com efeito, junto ao rio Jordão, vê o Espírito poisar sobre Jesus (Mt 3, 16); reconhece-o como cordeiro de Deus (Jo 1, 29) e continuou a olhar e a fixar o olhar (v. 36) n'Ele para indicá-lo aos discípulos. E se João o vê deste modo, se é capaz de ir para além das aparências, significa que já antes tinha sido alcançado pelo olhar de Jesus, já antes tinha sido iluminado. Como somos também nós. Apenas o olhar da testemunha se apaga, consegue-se a luz dos olhos de Cristo. No v. 38 é dito que Jesus vê os discípulos que o seguem e o evangelista usa um verbo muito belo, que significa “fixar o olhar em alguém”, “olhar com penetração e intensidade”. O Senhor age assim connosco: Ele volta-se para nós, aproxima-se, toma a sério a nossa presença, a nossa vida, o nosso caminhar  no seguimento d'Ele e olha-nos, com amor, mas também intensamente, com profunda atenção. O seu olhar nunca nos deixa sós. Os seus olhos estão fixos dentro de nós, estão estampados nas nossas entranhas, como canta São João da Cruz no Cântico Espiritual.

E depois o Senhor convida-nos a abrir os olhos, a começar a olhar de verdade. Diz: “Vinde e vereis”. Todos os dias no-lo repete, sem se cansar de nos dirigir este terno e forte convite, transbordante de promessas e de dons. “Viram onde morava”, refere João, usando um verbo algo diferente, muito forte, que indica um ver profundo, que vai para além da superfície, que entra na compreensão, no conhecimento, na fé do que se vê. Os discípulos – e nós com eles e neles – viram, naquela tarde, onde Jesus morava, ou seja compreenderam e conheceram qual era a sua verdadeira casa, não um lugar, não um espaço...

De novo volta o verbo gramatical do princípio. Jesus fixa o seu olhar em Simão (v. 42) e com aquela luz, com aquele encontro de olhares, de almas, chama-o pelo nome e muda-lhe a vida, torna-o homem novo. Os olhos do Senhor estão também abertos sobre nós e lavam-nos das obscuridades das nossas trevas, iluminando-nos de amor; com aqueles olhos Ele chama-nos, está a fazer de nós uma nova criação, está a dizer: “Faça-se a luz, e a luz foi feita.

c) - Permanecer – morar

Este importantíssimo e fortíssimo verbo é outra pérola preciosa do evangelho de João. Na nossa passagem encontra-se três vezes com dois significados distintos: habitar e permanecer. Os discípulos perguntam imediatamente a Jesus onde vive , onde se encontra a sua casa, e Ele convida-os a caminhar, a entrar, a permanecer. “Ficaram com Ele aquele dia” (v. 39). Não é um ficar físico, temporal; os discípulos não são somente hóspedes de passagem, que de imediato partirão. Não, o Senhor dá-lhes espaço no seu lugar interior, na sua relação com o Pai e ali os acolhe para sempre; pois diz: “Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, estejam também eles em nós... eu neles e tu em mim...” (Jo 17, 21.23). Deixa-nos entrar e entra; deixa-nos tocar na porta e toca Ele mesmo; faz-nos habitar n'Ele e coloca em nós a sua morada junto do Pai (Jo 14, 23). O nosso chamamento a ser discípulos de Cristo e para ser seus anunciadores ante os nossos irmãos tem a sua origem, fundamento, vitalidade, precisamente aqui, nesta realidade da recíproca inabitação do Senhor em nós e de nós n'Ele; a nossa felicidade duradoura e verdadeira resulta da realização deste nosso permanecer. Vimos onde ele mora, conhecemos o lugar da sua presença e decidimos permanecer com Ele, hoje e para sempre.

“Permanecei em mim e eu em vós... Quem permanece em mim e eu nele dá muito fruto... Se permanecerdes em mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e ser-vos-à dado... Permanecei no meu amor” (Jo 15).

 

 

EPIFANIA DO SENHOR (Mt 2, 1-12)

8 de Janeiro de 2012

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus (Mt 2, 1-12)

 

1 Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, chegaram a Jerusalém uns magos vindos do Oriente. 2 E perguntaram «Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo». 3 Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes perturbou-se e toda a Jerusalém com ele. 4 E reunindo todos os sumos sacerdotes e escribas do povo, perguntou-lhes onde devia nascer o Messias. 5 Eles responderam: «Em Belém da Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta:  6 E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as principais cidades da Judeia; porque de ti vai sair o Príncipe que há-de apascentar o meu povo de Israel».

7 Então Herodes mandou chamar secretamente os magos e pediu-lhes informações exactas sobre a data em que a estrela lhes tinha aparecido. 8 E, enviando-os a Belém, disse-lhes: «Ide e informai-vos cuidadosamente acerca do menino; e, depois de o encontrardes, vinde comunicar-mo para eu ir também prestar-lhe homenagem». 9 Depois de ter ouvido o rei, os magos puseram-se a caminho. E a estrela que tinham visto no Oriente ia adiante deles, até que, chegando ao lugar onde estava o menino, parou. 10 Ao ver a estrela, sentiram imensa alegria; 11 e, entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, adoraram-no; e, abrindo os cofres, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra: 12 Avisados em sonhos para não voltarem junto de Herodes, regressaram ao seu país por outro caminho.

O contexto da passagem

 

Se no primeiro capítulo do evangelho de Mateus o propósito do evangelista é mostrar a identidade de Jesus (quem é Jesus), no segundo é o de mostrar o mistério da figura de Jesus ligado a alguns lugares que assinalam a sua vida terrestre.

A passagem litúrgica deste Domingo contém o princípio do capítulo 2 de Mateus (2, 1-19) a que se segue três quadros narrativos: a fuga para o Egipto (2, 13-15), a matança dos inocentes (2, 16-18) e o regresso do Egipto (2, 19-23).

Para uma melhor compreensão da mensagem de 2, 1-13 é proveitoso subdividir o relato dos Magos em duas partes seguindo o critério das mudanças de lugar: Jerusalém (2, 1-6) e Belém (2, 7-12). Devemos esclarecer que no coração da história dos Magos encontramos uma citação bíblica que focaliza a importância de Belém neste período da infância de Jesus: “E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as principais cidades da Judeia; porque de ti vai sair o Príncipe que há-de apascentar o meu povo de Israel” (Mt 2, 6).

As duas cidades constituem o pano de fundo desta epopeia dos Magos e estão unidas por dois fios temáticos: a estrela (vv. 2.7.9.10) e a adoração do Menino (vv. 2.11).

O simbolismo da estrela

Os Magos, astrólogos orientais, que se dedicavam à astrologia e à predição do futuro, às vezes consultavam os astros. Agora, chegados a Jerusalém dizem que “viram a sua estrela no seu levantar”. O termo “levantar”, em grego anatolê, significa, sem artigo, o Oriente (o ponto cardeal de onde o sol se levanta); mas no texto grego encontra-se o artigo e isto significa o surgir de um verdadeiro astro em sentido próprio. A confirmação disto vem-nos dada por um texto bíblico: “surgirá um astro de Jacob e levantar-se-á um homem de Israel” (Num 24, 17). A estrela converte-se em figura do novo rei recém-nascido e guia-os até ao lugar onde nasceu e se encontra. É interessante anotar que esta estrela não é visível em Jerusalém, mas que volta a aparecer aos Magos enquanto se afastam da cidade. A estrela é, verdadeiramente, o elemento mais significativo do relato.

Antes de tudo, os magos no seu largo caminhar não seguiram a estrela, mas antes a viram levantar-se e depois associaram-na com o nascimento do Messias. Além disto, a viagem não era para o desconhecido, mas tinha como meta Jerusalém, a cidade para a qual acodem em peregrinação todos os povos da terra segundo o profeta Isaías.

A cidade, em face desta notícia dos Magos que vêm para adorar o Messias, fica perturbada e agitada. Os habitantes de Jerusalém não parecem muito entusiasmados e não se preocupam em prestar a mais pequena homenagem ao “nascido rei dos judeus”. Para cúmulo, Herodes projecta matá-lo. Ainda que em Is 60, 1-6 a cidade de Jerusalém é chamada a “levantar-se e a acolher a glória do Senhor”, agora em Mateus assiste-se a uma reacção de rejeição por parte do rei e de Jerusalém em relação ao Messias nascido em Belém. Semelhante conduta prefigura o começo das hostilidades que levarão à condenação de Jesus em Jerusalém. Não obstante tal reacção, que impede aos Magos de se aproximarem da salvação precisamente na cidade escolhida para ser instrumento de comunhão de todos os povos da terra com Deus, os acontecimentos do nascimento de Jesus trespassam-se para Belém. Deus que guia os acontecimentos da história faz com que os Magos saiam de Jerusalém e se ponham a caminho e encontrem o Messias na cidade de Belém, pátria de David. Nesta cidade David recebeu a investidura real com a unção dada por Samuel, agora, pelo contrário, o novo rei recebe uma investidura divina: não com óleo, mas no Espírito Santo (1, 18.20). A esta cidade sobem agora os povos, representados pelos Magos, para contemplar o Emanuel, o Deus-connosco, e para fazer experiência de paz e de fé...

O simbolismo do caminho dos magos

Um caminho cheio de dificuldades mas que por fim termina em êxito

O motivo do seu itinerário foi o aparecimento de uma estrela, associada em seguida ao nascimento de um novo rei: “vimos a sua estrela no Oriente”. A estrela é aqui somente um sinal, um indício que comunica aos Magos a iniciativa para se porem a caminho. A princípio pode ser que fossem movidos pela curiosidade, mas depois esta curiosidade transformar-se-á em desejo de busca e de descoberta. Deu-se o facto de que o indício da estrela comoveu os personagens e empurrou-os a buscar para encontrar uma resposta. O texto mostra que os Magos têm no coração uma pergunta e que não temem em repeti-la, fazendo-se inoportunos: “Onde está o rei dos Judeus?”.

A pergunta é feita ao rei Herodes e, indirectamente, à cidade de Jerusalém. A resposta é dada pelos especialistas, sumos sacerdotes e escribas: é necessário buscar o novo rei em Belém de Judá, porque assim o profetizou Isaías: «E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as principais cidades da Judeia; porque de ti vai sair o Príncipe que há-de apascentar o meu povo de Israel» (Mt 2, 6). O texto profético vem ao encontro das dificuldades dos Magos: a Palavra de Deus converte-se em luz para o seu caminho.

Por força daquela informação, tirada do profeta Isaías, e confortados pelo reaparecimento da estrela, os Magos empreendem de novo o caminho tendo como meta Belém. A estrela que os guia pára sobre a casa onde se encontra Jesus. É estranho que os que vivem em Belém ou nos arredores da casa onde se encontra Jesus não vejam aquele sinal. Além disso, aqueles que possuem a ciência das Escrituras conhecem a notícia do nascimento do novo rei de Israel, mas não se movem para ir procurá-lo. Pelo contrário, a pergunta dos Magos tinha provocado medo e perturbação nos seus corações. Em suma, aqueles que estão perto do acontecimento do nascimento de Jesus não se dão conta do que ocorreu, enquanto os estrangeiros, depois de terem percorrido um acidentado caminho, encontram, por fim, o que procuram. O que é que vêm os olhos dos Magos? Um menino com a sua mãe, dentro de uma pobre casa. O astro que os acompanhava era aquele simples e pobre menino no qual reconhecem o rei dos Judeus.

Prostram-se diante d'Ele e oferecem-lhe dons simbólicos: ouro (porque se trata de um rei); incenso (porque detrás da humanidade do menino está presente a divindade); mirra (aquele astro é um autêntico homem destinado a morrer).

O caminho dos Magos: um caminho de fé

Não é errado pensar que o que foi realizado pelos Magos foi uma autêntica caminhada de fé, mais, foi o itinerário daqueles que ainda que não pertencessem ao povo eleito, encontraram Cristo. No princípio de uma caminhada há sempre um sinal que pede para ser visto ali onde todo o homem vive e trabalha. Os Magos perscrutaram o céu, que para a Bíblia é a sede da divindade, e tiveram um sinal: uma estrela. Mas para começar o percurso da fé não basta perscrutar os sinais da presença do divino. Um sinal tem a função de suscitar o desejo, um caminho de busca, uma espera. É significativa a expressão usada por Edith Stein para descreve o seu caminho de fé: “Deus é a verdade. Quem busca a verdade, busca a Deus, conscientemente ou não”.

Um verdadeiro desejo suscita perguntas. Os Magos, por seu lado, encontram Jesus porque têm no  coração fortes interrogações. Tal experiência do encontro com Jesus é, verdadeiramente, uma provocação para a pastoral: impõe-se a necessidade de não privilegiar uma catequese feita de certezas ou preocupada em oferecer respostas pré-fabricadas, mas sobretudo despertar no homem de hoje perguntas significativas sobre questões cruciais da humanidade. É o que sugere um bispo do centro de Itália numa carta pastoral: “Apresentar Cristo e o Evangelho em conexão com os problemas fundamentais da existência (vida-morte-pecado-mal; justiça-pobreza, esperança-desilusão, amor-ódio, relações interpessoais familiares, sociais, internacionais...), para evitar o desfasamento entre as perguntas da humanidade e as nossas respostas” (Mons. Lucio Maria Renna, O. Carm.).

A resposta, como nos ensina a experiência dos Magos, encontra-se na Bíblia. E não se trata somente de um conhecimento intelectual ou de um saber acerca do conteúdo das Escrituras, como no caso dos escribas, mas uma aproximação para ela guiada pelo desejo, pela pergunta. Para os Magos aquela indicação contida nas Sagradas Escrituras iluminou-os para realizar a última etapa do seu caminho: Belém. Além disso, também a Palavra de Deus permitiu-lhes ver nos simples e humildes sinais de uma casa, do menino com Maria, sua mãe, o rei dos judeus, o esperado de Israel.

Os Magos adoram e descobrem em Jesus aquele que com tanta ânsia procuravam. O leitor, por um lado, ficará surpreendido pela desproporção existente entre os gestos e os dons dos Magos, e a humilde realidade que se apresenta diante dos seus olhos; mas, por outro lado, está seguro que aquele menino, que os Magos adoram é precisamente o Filho de Deus, o esperado Salvador do mundo. E assim o itinerário converte-se em itinerário de todo o leitor que lê esta significativa história dos Magos: quem procura, ainda que pareça que Deus está longe, pode encontrá-lo. Aqueles que, pelo contrário, presumem saber tudo acerca de Deus e crêem ter assegurada a salvação, correm o risco de privar-se do encontro com Ele. Numa catequese havida em Colónia por ocasião da XX Jornada da Juventude expressava-se assim o arcebispo Bruno Forte: “os Magos representam todos os que procuram a verdade, prontos a viver a existência como um êxodo, em caminho para o encontro com a luz que vem do alto”.

Também a experiência dos Magos ensina-nos que em toda a cultura, em todo o homem, há esperanças profundas que necessitam de ser saciadas. Daqui a responsabilidade de ler os sinais de Deus presentes na história dos homens.

Para meditar 

- Depois da leitura desta passagem do evangelho estou disponível para reviver o caminho dos Magos?

- Que dificuldades encontras no profundo conhecimento de Jesus Cristo? Como podes superá-las?

- Na tua procura da verdade sabes confiar-te, pores-te a caminho e à escuta de Deus?

- À luz da Palavra, o que pode mudar na tua vida?  

 

SANTA MARIA, MÃE DE DEUS (Lc 2, 16-21)

 

1 de Janeiro de 2012

 

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Evangelho segundo São Lucas (Lc 2, 1-21) 1

 

Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto para ser recenseada toda a terra. 2 Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino governador da Síria.

 

3 Todos iam recensear-se, cada qual à sua própria cidade. 4 Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, 5 a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que se encontrava grávida.

 

6 E quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz 7 e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria.

 

8 Na mesma região encontravam-se uns pastores que pernoitavam nos campos, guardando os seus rebanhos durante a noite. 9 Um anjo do Senhor apareceu-lhes, e a glória do Senhor refulgiu em volta deles; e tiveram muito medo. 10 O anjo disse-lhes: «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: 11 hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor. 12 Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura».

 

13 De repente, juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus dizendo: 14 «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado».

 

15 Quando os anjos se afastaram deles em direcção ao Céu, os pastores disseram uns aos outros: «Vamos a Belém ver o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer».

 

16 Foram apressadamente e encontraram Maria, José e o menino deitado na manjedoura. 17 Depois de terem visto, começaram a divulgar o que lhes tinham dito a respeito daquele menino. 18 Todos os que ouviram se admiravam do que lhes diziam os pastores. 19 Quanto a Maria, conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração. 20 E os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus, por tudo o que tinham visto e ouvido, conforme lhes fora anunciado.

 

21 Quando se completaram os oito dias, para a circuncisão do menino, deram-lhe o nome de Jesus indicado pelo anjo antes de ter sido concebido no seio materno.

 

Chave de leitura

 

O motivo que levou José e Maria a ir a Belém foi um censo imposto pelo imperador de Roma (Lc 2,   17). Periodicamente, as autoridades romanas decretavam estes censos nas diversas regiões do imenso império. Tratava-se de controlar a população e saber quantas pessoas deviam pagar os impostos. Os ricos pagavam os impostos sobre os terrenos e bens que possuíam. Os pobres pelo número de filhos que tinham. Às vezes o imposto total superava  50% do rendimento da pessoa. No evangelho de Lucas notamos uma diferença significativa entre o nascimento de Jesus e o nascimento de João Baptista. João nasce em sua casa, na sua terra, no meio dos seus parentes e vizinhos e é acolhido por todos (Lc 1, 57-58). Jesus nasce desconhecido, fora do ambiente familiar e dos vizinhos, fora da sua terra. “Não havia lugar para eles na hospedaria”. Teve que ser deixado num presépio (Lc 2, 7).

Procuremos colocar e comentar o nosso texto (Lc 2, 16-21) no amplo contexto da visita dos pastores (Lc 8, 21).

Algumas perguntas

 

- O que é que mais gostaste neste texto? Porquê?

- Quais são as surpresas e contrastes que aparecem no texto?

 

- De que modo o texto ensina que o pequeno é o maior no céu e o mais pobre na terra?

 

- Quais são as condutas de Maria e dos pastores perante o Mistério de Deus que se lhes revela?

 

- Qual a mensagem que Lucas pretende comunicar-nos por meio destes pormenores?

 

Comentário do texto

 

Lucas 2, 8-9: os primeiros convidados. Os pastores eram pessoas marginalizadas e pouco apreciadas. Viviam junto com os animais, separados do resto da humanidade. Por causa do contacto permanente com os animais eram considerados impuros. Nunca ninguém os tinha convidado para visitar um recém-nascido. Mas é precisamente a estes pastores que aparece o Anjo do Senhor para lhes transmitir a grande notícia do nascimento de Jesus. Perante a aparição dos anjos encheram-se de temor.

 

Lc 2, 10-12: o primeiro anúncio da Boa Nova. A primeira palavra do anjo é: Não temais! A segunda é: Alegria para todo o povo! A terceira é: Hoje! Em seguida dá três nomes a Jesus querendo indicar-nos quem é ele: Salvador, Cristo e Senhor! Salvador é aquele que a todos liberta do que os prende. Aos governantes daquele tempo gostava-se de se lhes dar o nome de “Salvador”. Eles mesmos se atribuíam o título de Soter (= Salvador). Cristo significa ungido ou messias. No Antigo Testamento este era o título que se dava aos reis e aos profetas. Era também o título do futuro Messias que cumprirá as promessas de Deus relativamente ao povo. Isto significa que o recém-nascido, que jaz num presépio, vem realizar a esperança do povo. Senhor era o nome que se dava ao próprio Deus! Temos aqui os três títulos maiores que se possa imaginar. A partir deste anúncio do nascimento de Jesus Salvador Cristo Senhor, imagina alguém com uma categoria mais elevada. O anjo diz-te: “Atenção! Dou-te este sinal de reconhecimento: encontrarás um menino num presépio, no meio dos pobres!”. Acreditarias? O modo como Deus actua é diferente do nosso!

 

Lucas 2, 13-14: louvor dos anjos. Glória a Deus no mais alto do céu, Paz aos homens do seu agrado. Uma multidão de anjos aparece e desce do céu. É o céu que desce sobre a terra. As duas frases do versículo resumem o projecto de Deus, o seu plano. O primeiro diz que acontece no mundo de cima: Glória a Deus no mais alto do céu. A segunda diz o que sucederá no mundo daqui de baixo: Paz na terra aos homens que Ele ama! Se as pessoas pudessem experimentar o que verdadeiramente significa ser amados por Deus, tudo mudaria e a paz habitaria na terra. E seria esta a maior glória de Deus que vive no mais alto.

 

Lucas 2, 15-18: os pastores vão a Belém e contam a visão dos anjos.  A palavra de Deus não é um som produzido pela boca. É sobretudo um acontecimento! Os pastores dizem literalmente: “Vamos ver esta palavra que aconteceu e que o Senhor nos manifestou”. Em hebraico DABAR pode significar ao mesmo tempo palavra e coisa (acontecimento), gerado pela palavra. A Palavra de Deus tem força criadora. Cumpre o que diz. Na Criação disse Deus: “Faça-se a luz! E a luz foi feita”! (Gen 1, 3). A palavra do anjo aos pastores é o acontecimento do nascimento de Jesus.

 

Lucas 2, 19-20: Conduta de Maria e dos pastores perante os factos, perante as palavras. Lucas acrescenta em seguida que “Maria conservava estas palavras (acontecimentos) meditando-os em seu coração”. São dois modos de perceber e acolher a Palavra de Deus: 1) Os pastores levantam-se e vão ver os factos e verificar neles o sinal que lhes foi dado pelo anjo, e depois, voltam para os seus rebanhos glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido. 2) Maria, por sua vez, conservava com cuidado todos os acontecimentos na memória e meditava no seu coração. Meditar as coisas significa ruminá-las, iluminá-las com a luz da Palavra de Deus, para assim chegar a entender melhor todo o significado para a vida.

 

Lucas 2, 21: A circuncisão e o nome de Jesus. De acordo com a norma da Lei, o pequeno Jesus é circuncidado no oitavo dia depois do seu nascimento (cf. Gen 17, 12). A circuncisão era um sinal de pertença ao povo. Dava identidade à pessoa. Nesta ocasião cada menino recebia o seu nome (cf. Lc 1, 59-63). O menino recebe o nome de Jesus que lhe tinha sido dado pelo anjo, antes de ter sido concebido. O anjo tinha dito a José que o nome do menino devia ser Jesus pois “ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1, 21). O nome de Jesus é Cristo, que significa Ungido ou Messias. Jesus é o Messias esperado. O terceiro nome é Emanuel, que significa Deus-connosco (Mt 1, 23). O nome completo é Jesus Cristo Emanuel!

 

Maria no evangelho de Lucas. Chave de leitura

 

Nos dois primeiros capítulos do seu evangelho, Lucas apresenta Maria como modelo para a vida das comunidades. A chave é-nos dada por aquele episódio em que uma mulher do povo elogia a mãe de Jesus ao dizer: “Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram” (Lc 11, 27). Jesus modifica o elogia e diz: “Felizes, antes, os que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 11, 28). Aqui está a grandeza de Maria. É no modo como Maria se refere à Palavra de Deus que as comunidades contemplam a maneira mais correcta de se relacionar com a Palavra de Deus: acolhê-la, encarná-la, vivê-la, aprofundá-la, ruminá-la, fazê-la nascer e crescer, deixar-se plasmar por ela, mesmo quando não se entende ou faz sofrer. É esta a visão que está subjacente nos dois primeiros capítulos do evangelho de Lucas, que falam de Maria, a Mãe de Jesus.

 

Aplicando a chave aos textos

 

A Anunciação (Lc 1, 26-38): “Faça-se em mim segundo a tua palavra!”. Saber abrir-se de modo que a Palavra de Deus seja acolhida e encarne.

 

A Visitação (Lc 1, 39-45): “Feliz aquela que acreditou!”. Saber reconhecer a Palavra de Deus nos acontecimentos da vida.

 

O Magnificat (Lc 1, 46-56): “O Senhor fez em mim grandes coisas!”. Um canto subversivo de resistência e esperança.

 

O Nascimento (Lc 2, 1-20): “Ela conservava todas estas coisas, meditando-as no seu coração”. Não havia lugar para eles. Os marginalizados acolhem a Palavra.

 

A Apresentação (Lc 2, 21-32): “Os meus olhos viram a salvação!”. Os muitos anos purificam o olhar.

 

Simeão e Ana (Lc 2, 33-38): “Uma espada trespassar-te-à a alma”. Ser cristão quer dizer ser sinal de contradição.

 

Aos doze anos (Lc 2, 39-52): “Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas do meu Pai?”. Eles não entenderam o que lhes dizia.

 

Os contrastes que mais ressaltam no nosso texto

 

- Nas trevas da noite brilha a luz (Lc 2, 8-9).

 

- O mundo de cima, o céu, parece envolver o nosso mundo daqui de baixo (Lc 2, 13).

 

- A grandeza de Deus manifesta-se na pequenez de um menino (Lc 2, 7).

 

- A glória de Deus faz-se presente num presépio, junto de animais (Lc 2, 16).- O medo provocado pela repentina aparição do anjo converte-se em alegria (Lc 2, 9-10).- As pessoas marginalizadas de tudo são as primeiras convidadas (Lc 2, 8).- Os pastores reconhecem Deus presente num menino (Lc 2, 20).

 

 

DOMINGO DE NATAL (Lc 2, 1-20)

 

25 de Dezembro de 2011

 

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Evangelho segundo São Lucas (Lc 2, 1-20)

 

1 Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto para ser recenseada toda a terra. 2 Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino governador da Síria.

 

3 Todos iam recensear-se, cada qual à sua própria cidade. 4 Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, 5 a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que se encontrava grávida.6 E quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz 7 e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria.

 

8 Na mesma região encontravam-se uns pastores que pernoitavam nos campos, guardando os seus rebanhos durante a noite. 9 Um anjo do Senhor apareceu-lhes, e a glória do Senhor refulgiu em volta deles; e tiveram muito medo. 10 O anjo disse-lhes: «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: 11 hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor. 12 Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura».

 

13 De repente, juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus dizendo: 14 «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado».

 

15 Quando os anjos se afastaram deles em direcção ao Céu, os pastores disseram uns aos outros: «Vamos a Belém ver o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer».

 

16 Foram apressadamente e encontraram Maria, José e o menino deitado na manjedoura. 17 Depois de terem visto, começaram a divulgar o que lhes tinham dito a respeito daquele menino. 18 Todos os que ouviram se admiravam do que lhes diziam os pastores. 19 Quanto a Maria, conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração. 20 E os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus, por tudo o que tinham visto e ouvido, conforme lhes fora anunciado.

 

O contexto

 

A passagem evangélica que nos é proposta para este Domingo faz parte do chamado evangelho lucano da infância que abarca os dois primeiros capítulos do terceiro evangelho. Trata-se de um evangelho da infância. O primeiro interesse do autor não é informar-nos, de apresentar-nos todos os pormenores do nascimento de Jesus, mas sobretudo o de anunciar a boa nova do nascimento do Messias prometido. O menino Jesus é visto já como o Senhor, assim como era proclamado na pregação apostólica. Como os dois primeiros capítulos dos Actos dos Apóstolos servem de passagem do tempo de Jesus para o tempo da Igreja, assim os dois primeiros capítulos do evangelho de Lucas servem de transição do Antigo para o Novo Testamento. As citações e alusões ao Antigo Testamento são frequentes. As personagens, como Zacarias e Isabel, Simeão e Ana, José e sobretudo Maria, são os representantes da espiritualidade dos pobres do Senhor, que caracteriza o último período do Antigo Testamento. Todos e particularmente Maria alegram-se pela chegada da salvação pela qual tanto tempo esperaram. Lucas divide o seu evangelho da infância em sete cenas: o anúncio do nascimento de João Baptista (1, 5-25), o anúncio do nascimento de Jesus (1, 26-38), a visita de Maria a Isabel (1, 39-56), o nascimento de João Baptista (1, 57-80), o nascimento de Jesus (2, 1-21), a apresentação de Jesus no Templo (2, 22-40) e Jesus entre os doutores (2, 41-52). Muitos exegetas são de opinião que Lucas procurava pôr em paralelo Jesus e o Baptista para demonstrar a superioridade de Jesus sobre João, o último profeta. Com o nascimento de Jesus começam os tempos novos para os quais todo o Antigo Testamento está orientado.

 

Algumas perguntas

 

- Na tua vida há lugar para Jesus?

 

- Que sinais da sua presença está Deus a oferecer-me?

 

- Como reajo perante eles?

 

- Jesus nasceu para trazer alegria e paz. Quando é que estes dons são parte da minha vida?

 

- Sou portador de alegria e paz para os outros?

 

Uma chave de leitura

 

“Não havia lugar para eles”

 

Jesus nasce em extrema pobreza. Não se trata somente da indigência material da sua família. É muito mais. Nasce longe da aldeia onde residem os seus pais, longe dos afectos dos familiares e amigos, longe da comodidade que poderia oferecer a casa paterna, mesmo sendo pobre. Nasce entre estrangeiros que não se interessam por Ele e não lhe oferecem senão um presépio para nascer.

 

Aqui está o grande mistério da encarnação. Paulo dirá que “de rico que era, (Jesus) fez-se pobre por vós, para que chegásseis a ser ricos por meio da sua pobreza” (2Cor 8, 9). O Prólogo do evangelho de João atesta que sendo ele por meio do qual o mundo foi feito, Jesus, o Verbo feito carne, “veio aos seus, mas os seus não o receberam” (Jo 1, 11). Este é o drama que assinala toda a vida de Jesus, chegando ao seu cume com a rejeição absoluta no processo diante de Pilatos (cf. Jo 18-28-19, 16). É, em última análise, o drama de Deus que se revela e se oferece continuamente à humanidade e é tantas vezes rejeitado.

 

Um sinal por decifrar

 

É necessário dizer, contudo, que não era fácil para os contemporâneos reconhecer Jesus. Não é fácil para ninguém, nem sequer hoje, reconhecê-lo pelo que Ele é verdadeiramente. Só uma revelação por parte de Deus nos pode desvelar o mistério (cf. Jo 5, 37; 6, 45). Na narração do seu nascimento, o objectivo do anúncio por parte dos anjos é precisamente o de revelar o mistério.

 

O nosso texto está composto de três partes. Nos versículos 1-7 temos o acontecimento do nascimento de um menino como o de tantos outros. Os versículos 8-14 referem-nos o anúncio por parte de um anjo e a visão de anjos que cantam. É a revelação por parte de Deus (v. 15) que nos descobre no “sinal” de “um menino envolto em panos, e deitado numa manjedoura” (v. 12) “o Salvador, Cristo Senhor” (v. 11). Na última parte (versículos 15-20) encontramos várias reacções em relação à revelação do mistério. O sinal que Deus oferece, quando é acolhido com humildade, assinala o ponto de partida no caminho de fé para aquele que se revela.

 

Como decifrar o sinal e acolher Jesus

 

O nosso texto apresenta-nos três reacções perante o mistério de Jesus.

 

Em primeiro lugar estão os pastores. Eles são caracterizados por várias palavras de espera / procura e descobrimento: “vigiavam de noite guardando” (v. 8): “vamos ver...” (v. 15); “foram apressadamente e encontraram... (v. 16). Os pastores estão abertos à revelação do mistério. Acolheram-no com simplicidade e acreditaram (vv. 15 e 20) e converteram-se em testemunhas do que lhes foi revelado (v. 17). Depois estão também “aqueles que ouviram” o que os pastores contaram de Jesus (v. 16). Eles maravilham-se, mas incapazes de acolher o verdadeiro significado do que aconteceu entre eles. Finalmente está a reacção de Maria. O evangelista quer fazer realçar o contraste entre a reacção de Maria e a daqueles “que ouviram”, ao dizer “Quanto a Maria” (v. 19). Como eles, também Maria não ouviu o anúncio do anjo e não viu o coro angélico, mas o testemunho dos pastores que ela acolhe. É verdade que recebeu o anúncio angélico dirigido a ela no início de todos estes acontecimentos (1, 26-38). O anjo falou-lhe do Filho que dela nasceria como o Filho do Altíssimo que reinaria para sempre (cf. 1, 32.35). Mas os últimos acontecimentos, o seu nascimento naquelas circunstâncias, podia pôr em dúvida a palavra do anjo. Agora aparecem os pastores e de novo dizem grandes coisas acerca do seu Filho. Maria guarda tudo isto no seu coração, as palavras do anjo, as palavras dos pastores, os factos acontecidos e procura agrupá-los para compreender quem é este filho que Deus lhe deu, qual a sua missão e que parte tem ela em tudo isto. Maria é uma mulher contemplativa que tem os olhos e os ouvidos abertos para que nada se perca. Depois, conserva e medita tudo no silêncio do seu coração. Virgem da escuta, Maria é capaz de acolher as palavras que Deus lhe envia no dia-a-dia da sua vida.

 

Só quem tem a ânsia de procurar como a dos pastores e o coração contemplativo de Maria será capaz de decifrar os sinais da presença e das intervenções de Deus na vida, e acolher Jesus na casa da própria existência.

 

 

 

4º DOMINGO DO ADVENTO (ANO B)

 

18 Dezembro de 2011

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas (Lc 1, 26-38)

 

 

26 Ao sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus, a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, 27 a uma virgem desposada com um homem chamado José, da casa de David; e o nome da Virgem era Maria. 28 E, entrando, disse-lhe: «Alegra-te, ó cheia de graça, o Senhor está contigo». 29 Ao ouvir estas palavras, ela perturbou-se e inquiria de si própria o que significava tal saudação. 30 Disse-lhe o anjo: «Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus. 31 Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. 32 Será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David, 33 reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim». 34 Maria disse ao anjo: «Como será isso, se eu não conheço homem?». 35 O anjo responde-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será chamado Filho de Deus. 36 Também a tua parente Isabel concebeu um filho na sua velhice e já está no sexto mês, ela, a quem chamavam estéril, 37 porque nada é impossível a Deus». 38 Maria disse, então: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra». E o anjo retirou-se de junto dela.

 

Algumas perguntas:

 

- “No sexto mês”: vêem os meus olhos os anjos através dos quais Deus quer visitar-me?

- “Não temas”: os nossos temores nascem do medo ou da angústia, ou sobretudo da percepção de um mistério que nos ultrapassa e envolve pessoalmente?

- “Para Deus nada é impossível”: criar é obra de Deus e acolher é dever do homem. Torno possível na minha vida a concepção de uma existência moldada pelo Espírito de Deus?

Chave de leitura:

 

v. 26-27. Ao sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus, a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem chamado José, da casa de David; e o nome da Virgem era Maria. “Ao sexto mês”: este é um momento preciso para os que leram a passagem anterior do Evangelho, o encontro do anjo Gabriel com Zacarias no templo. Mas, para Maria, que não o sabe, este sexto mês é o seu “hoje”. Assim como foi para ela, assim o é para nós: há um dia singular, o tempo do convite para entrar no projecto preparado para nós. Mas este hoje não é um tempo isolado, estando relacionado com os tempos dos outros, sendo cada um único e irrepetível, um hoje a ser estabelecido a par de outros “hoje” até ao momento em que a Palavra de Deus se cumpra. O caminho da graça é muito linear. O sujeito é Deus. O termo de referência: a virgem. O intermediário: o anjo Gabriel. Tudo é nomeado: a cidade é chamada Nazaré; a virgem, Maria; o homem que a desposou, José. Tudo tem um contexto histórico minucioso. O sexto mês é o da gravidez de Isabel. A virgem é a esposa prometida. José é da Casa de David. Deus não vem casualmente, Ele vem nos parâmetros já existentes, os humanos, traçados por pessoas que têm um nome.

 

v. 28. E, entrando, disse-lhe: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo.” A palavra evangélica “entrar junto a ela” pode conter dois significados. Um: entrando em sua casa. Outro: entrando nela. Então Maria viu o anjo ou não o viu? Viu-o e escutou-o. E isto é verdadeiro porque de imediato tudo se realizará. Com que olhos o viu? Com os do corpo ou com os do seu espírito? O mistério do encontro do homem com Deus não se pode explicar. Acontece, e basta. É um encontro que deixa o sinal, e aqui está a grandeza do acontecimento. A cheia de graça não tem outros olhos senão os do espírito. Para ela não existe senão um olhar, o do espírito, o olhar transparente do coração puro que pode ver Deus sem morrer.

 

v. 29. Ao ouvir estas palavras, ela perturbou-se e inquiria de si própria o que significava tal saudação. É lícita a perturbação de Maria. A percepção do seu ser, ainda que entrelaçado de graça, não lhe permite discriminar juízos entre si e os outros; portanto ela não sabe que está cheia de graça. Para ela é natural ser como é, aderir sempre ao bem e em qualquer lugar, para aquela atracção que a transporta ao alto.

 

v. 30. O anjo disse-lhe: “Não temas, Maria, porque achaste graça diante de Deus”. O temor de Maria é o retroceder dos pequenos que se surpreendem por serem objectos de atenção por parte de alguém muito importante. E se este alguém é Deus como não pode ser grande o temor? Dar-se conta da própria pequenez e do que se tem, acontece por um dom gratuito de amor.

 

v. 31. Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. O projecto divino fica claro. Conceber, dar à luz, chamá-lo. O Salvador já está aí, nas palavras do anjo. Que maravilha! Séculos e séculos de espera encontram-se em poucas sílabas: Jesus.

 

v. 32-33. Será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David, reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim. Quando o Senhor se aproxima do homem para chamá-lo para o tornar participante dos seus pensamentos de redenção, diz-se integralmente. O que fica na obscuridade é a modalidade da cooperação humana. Porque ao homem resta-lhe a liberdade de concretizar o que é o cumprimento do seu pensamento. Parte-se daqui: um filho “imprevisto”. Chega-se até aqui: o Filho do Altíssimo, que se sentará no trono de David e reinará para sempre. Estes são os meios: a tua pessoa. Agora toca a ti ser a  protagonista.

 

v. 34. Maria disse ao anjo: «Como será isso, se eu não conheço homem? Maria pergunta ao anjo como se realizará a vontade de Deus. Não duvida de Deus, sabe que a Palavra pronunciada por Deus é sempre possível. Está certa que o seu desejo e propósito de não “conhecer homem” ficará como tal, porque Deus não anula os planos dos seus filhos, traçados pelos desejos mais autênticos. Sabe que este plano estará ao serviço daquele projecto apenas escutado. Mas não consegue entender como acontecerá. E então pergunta, simplesmente pergunta, para entender exactamente o que se lhe está a pedir.

 

v. 35. O anjo responde-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será chamado Filho de Deus. O anjo explica-lhe, Maria deverá unicamente acolher com simplicidade porque será o Espírito que vai descer sobre ela, o Altíssimo, que a cobrirá com a sua sombra. E o Santo nascerá.

 

v. 36-37. Também a tua parente Isabel concebeu um filho na sua velhice e já está no sexto mês, ela, a quem chamavam estéril, porque nada é impossível a Deus. A experiência de Isabel referida pelo anjo a Maria não é outra coisa senão uma ocasião de a unir com a história. Maria devia saber de Isabel, porque as duas estavam a preparar o caminho do cumprimento das promessas de Israel. João a voz, Jesus o Esposo. O plano é o mesmo.

v. 38. Maria disse, então: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra». E o anjo retirou-se de junto dela. A resposta de Maria é essencial: “Eis aqui a serva...”. A atenção à Palavra pronunciada sobre ela é de tal dimensão que não pode senão sentir-se como “serva”: instrumento útil para a realização concreta do querer do Pai. “Faça-se em mim...”, um sim que nada tem de passivo, um sim consciente da grandeza do compromisso, um sim tornado seio fecundo a ponto de poder converter o rosto de Deus em traços humanos.

Reflexão

 

Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra! Eis aqui... Que palavra pode ser mais essencial e cheia de vida? Não há palavras que obriguem mais o homem do que este “estar aí”, vigilante, para conter a respiração para não perder nada da participação no Mistério. Faça-se... A escolha de Deus é digna de ser acolhida, mas requer o silêncio profundo de todo o próprio ser: faça-se em mim. Maria sabe que não é a protagonista mas a serva da vontade de Deus; pertence àquele grupo de servos a quem Jesus chamará amigos: um servo não sabe o que faz o seu senhor. Mas quem é amigo, sim. Tudo o que ouvi do Pai vo-lo dei a conhecer. A sombra do Espírito que estende a tenda da sua presença sobre uma criatura tão bela pela sua disponibilidade, escutará os segredos arcanos do Eterno. E o tempo que continuará a andar para traçar novos percursos de graça encher-se-á a ponto de se derramar quando o Filho de Deus vir a luz de um espaço infinitamente pequeno para o seu poder, o espaço do limite e da contingência. Maria o primeiro berço da palavra inefável, primeiro abraço da luz que chega, não possuiu outro tesouro senão a sua humildade: cavidade que recolhe a plenitude, pequenez que reclama o infinito, limite amado que requer um abraço de infinito.

 

 

 

 

3º DOMINGO DO ADVENTO (ANO B)

11 de Dezembro de 2011

 

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João (Jo 1, 6-8. 19-28)

 

6 Apareceu um homem, enviado por Deus, que se chamava João. 7 Este vinha como testemunha, para dar testemunho da Luz, e todos crerem por meio dele. 8 Ele não era a Luz, mas veio para dar testemunho da Luz. 19 Este foi o testemunho de João, quando as autoridades judaicas lhe enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para lhe perguntarem: «Tu quem és?». 20 Então ele confessou a verdade e não a negou, afirmando: «Eu não sou o Messias». 21 E perguntaram-lhe: «Quem és então? És tu Elias?». Ele disse: «Não sou». «És tu o Profeta?». Respondeu: «Não». 22 Disseram-lhe, por fim: «Quem és tu, para podermos dar uma resposta aos que nos enviaram? Que dizes de ti mesmo?». 23 Ele declarou: «Eu sou a voz de quem grita no deserto: 'Rectificai o caminho do Senhor', como disse o profeta Isaías». 24 Ora, havia enviados dos fariseus que lhe perguntaram: 25 «Então porque baptizas, se tu não és o Messias, nem Elias, nem o Profeta?». 26 João respondeu-lhes: «Eu baptizo com água, mas no meio de vós está quem vós não conheceis. 27 É aquele que vem depois de mim, a quem eu não sou digno de desatar a correia das sandálias». 28 Isto passou-se em Betânia, na margem além do Jordão, onde João estava a baptizar.

Uma chave de leitura

A liturgia deste terceiro domingo do Advento coloca diante dos nossos olhos a figura de João Baptista e descreve o lugar que ele ocupa no plano de Deus. Deste modo, ajuda-nos a encontrar o nosso lugar e a preparar-nos para a festa do Natal.João Baptista foi grande, muito grande. Foi um profeta com muitos discípulos e um protagonismo popular. Jesus definiu-o como o maior entre os nascidos de mulher. Não obstante, segundo Jesus, o mais pequeno no Reino é maior que João (cf. Mt 11, 11). João sabia isto. Louvado pelos outros não se louvava a si mesmo. Depois que Jesus começou a anunciar o Reino de Deus, ele soube ceder-lhe o seu lugar. Os seus discípulos, pelo contrário, não tiveram a sua grandeza de alma. Ficaram com inveja. João ajudou-os a ultrapassar a dificuldade. Na verdade não é fácil ceder o lugar e a orientação a outros e colaborar com eles para que possam realizar a sua própria missão.

 

Algumas perguntas para nos ajudar na meditação e na oração  

a) O que te chamou mais atenção e que mais gostaste na conduta de João Baptista?

b) João Baptista por três vezes define-se de forma negativa: não sou o Messias, não sou Elias, nãosou o Profeta. Estas três negações que afirmam acerca da pessoa de João?

c) Usando uma frase do Antigo Testamento para dizer o que é, João desvia a atenção de si mesmo para a orientar para Jesus. Que nos diz isto acerca de João e de Jesus?

d) Que afirma João acerca do baptismo? Como se distingue o baptismo de João do baptismo de Jesus?

e) Por que é que Jesus nunca diz que João é o maior, mas que o mais pequeno do Reino é maior do que ele?

f) Como é que tudo isto nos pode ajudar a celebrar o Natal? 

 

O contexto em que João aparece no Evangelho de João

 

O Evangelho de João foi escrito no final do primeiro século. Naquele tempo, tanto na Palestina como em toda a Ásia Menor, onde quer que houvesse uma comunidade de judeus, havia também pessoas que tinham tido contacto com João Baptista ou que tinham sido baptizados por ele (cf. At 19, 3). Visto desde fora o movimento era muito semelhante ao de Jesus. Os dois anunciavam a chegado do Reino (Mt 3, 1-2) e os dois exigiam a conversão (cf. Mt 4, 17). Poderia ter havido uma certa semelhança entre os seguidores de João e os de Jesus. Por isso, a resposta de João a respeito de Jesus valia não só para os enviados dos sacerdotes e os fariseus do tempo de Jesus, mas também para as comunidades cristãs do final do primeiro século. De facto, todos os quatro evangelhos preocupam-se em referir as palavras de João Baptista que afirma que ele não é o Messias (cf. Mt 3, 3.11; Mc 1,2.7; Lc 3, 4.16; Jo 1, 19-23.30; 3, 28-30).

 

Comentário dos testemunhos de João 

João 1, 6-8: o lugar de João no plano de Deus: dar testemunho da Luz

O Prólogo do quarto Evangelho afirma que a Palavra viva de Deus está presente em todas as coisas e brilha nas trevas como uma luz para cada homem. As trevas procuram apagá-la, mas não o conseguem (cf. Jo 1, 15). Ninguém consegue escondê-la, porque não podemos viver sem Deus durante muito tempo. A busca de Deus, renasce no coração humano sempre de novo. João Baptista vem para ajudar o povo a descobrir esta presença luminosa da Palavra de Deus na vida. O seu testemunho foi tão importante que muitas pessoas pensavam que ele era o Cristo (Messias) (cf. At 19, 3; Jo 1, 20). Por isso o Prólogo aclara: “João não era a Luz. Veio para dar testemunho da Luz”.

João 1, 19-21: O testemunho negativo de João acerca de si mesmo: ele não é o que os outros pensam sobre ele

Os judeus enviam sacerdotes e fariseus para saber quem é este João que baptizava o povo no deserto e atraía tanta gente de todas as partes. E enviaram para lhe perguntar: “Quem és?”. A resposta de João é curiosa. Em vez de dizer quem é, responde o que não é: “Não sou o Messias!”. Acrescenta depois outras duas respostas negativas: ele não é nem Elias nem o Profeta. Trata-se de aspectos diferentes da mesma esperança messiânica. Nos tempos messiânicos Elias deveria voltar para levar o coração dos pais para os filhos e os dos filhos para os pais. Ou seja, deveria vir para restaurar a convivência humana (cf. Ml 3, 23-24; cf. Si 48, 10). O Profeta anunciado para levar no futuro a bom termo a obra iniciada por Moisés, era visto pelo povo como o Messias esperado (cf. Dt 18, 15). João recusa estes títulos messiânicos porque não era o Messias. Contudo, mais adiante, será o próprio Jesus a dizer que João era Elias (cf. Mt 17, 12-13) Como explicar esta afirmação? É um facto de  que existiam muitas versões acerca da missão de Elias. Alguns diziam que o Messias seria como um novo Elias. Neste sentido João não era Elias. Outros diziam que a missão de Elias era só a de preparar a vinda do Messias. Neste sentido João era Elias. Neste diálogo entre João e os fariseus e os sacerdotes aparece a catequese das comunidades do primeiro século. As perguntas dos fariseus e dos sacerdotes sobre o significado de João Baptista dentro do plano de Deus eram também as perguntas das comunidades. Assim, as respostas de Jesus, recolhidas pelos evangelistas, servem também para as comunidades.

 

João 1, 22-24: Os testemunhos positivos de João: ele é somente alguém que prepara o caminho

 

Pois por que baptizas se não és o Messias, nem Elias, nem o Profeta?”. Os enviados dos sacerdotes e fariseus queriam uma resposta clara, porque deviam dar conta aos que os encarregaram de interrogar João. Para eles não bastava saber o que João não era. Queriam saber quem é ele e que lugar tem no plano de Deus. A resposta de João é uma frase tomada do profeta Isaías, frase muito usada, que aparece nos quatro evangelhos: “Sou a voz do que clama no deserto. Endireitai os caminhos do Senhor” (Mt 3, 3; Mc 1,3; Lc 3, 4; Jo 1, 23). Neste uso do Antigo Testamento aparece a mística que animava a leitura da Sagrada Escritura por parte dos primeiros cristãos. Procuravam dentro das palavras não tanto os argumentos para provar afirmações mas sobretudo para verbalizar e aclarar para si próprios e para os outros a novidade da experiência que tinham de Deus em Jesus (cf. Tim 3, 15-17).

 

João 1, 25-28: significado do baptismo e da pessoa de João

 

Nas comunidades cristãs do final do século primeiro havia pessoas que conheciam somente o baptismo de João (At 18, 25;19 ,3). Entrando em contacto com outros cristãos que tinham sido baptizados no baptismo de Jesus, eles queriam saber qual era o significado do baptismo de João. Naqueles tempos existiam muitos tipos de baptismo. O baptismo era uma forma através da qual a pessoa se comprometia com uma determinada mensagem. Quem aceitava a mensagem estava convidada a confirmar a sua decisão através de um baptismo (ablução, purificação ou banho). Por exemplo, com o baptismo de João a pessoa ficava vinculada com a mensagem de João. Com o baptismo de Jesus, a pessoa ficava vinculada com a mensagem de Jesus que lhe comunicava o dom do Espírito (cf. At 10, 44-48; 19, 5-6).  

 

No meio de vós está alguém a quem vós não conheceis

Esta afirmação de João Baptista refere-se a Jesus, presente na multidão. Na altura em que João escrevia o seu evangelho, Jesus continuava a estar presente nas comunidades e nas pessoas, sobretudo nos pobres com quem se identificava. Ele está no nosso meio e também hoje, muitas vezes, não o conhecemos.
 

 

 

2º DOMINGO DO ADVENTO (ANO B)

4 de Dezembro de 2011

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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos (Mc 1, 1-8)

 

1 Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. 2 Conforme está escrito no profeta Isaías: «Eis que envio à tua frente o meu mensageiro, a fim de preparar o teu caminho. 3 Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas». 4 João Baptista apareceu no deserto, a pregar um baptismo de arrependimento para a remissão dos pecados. 5 Saíam ao seu encontro todos os da província da Judeia e todos os habitantes de Jerusalém e eram baptizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados. 6 João vestia-se de pêlos de camelo e trazia uma correia de couro à cintura; alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre. 7 E pregava assim: «Depois de mim vai chegar outro que é mais forte do que eu, diante do qual não sou digno de me inclinar para lhe desatar as correias das sandálias. 8 Eu baptizei-vos em água, mas Ele há-de baptizar-vos no Espírito Santo».

Chave de leitura

A unidade literária de Marcos 1, 1-13, à qual pertence o nosso texto (Mc 1, 1-8), é uma breve introdução ao anúncio da Boa Nova. São três os pontos principais: 1) A Boa Nova é preparada pela actividade de João Baptista (Mc 1, 2-8). 2) É proclamada por ocasião do Baptismo de Jesus (Mc 1, 9-11). 3) É provada no momento da tentação de Jesus no deserto (Mc 1, 12-13).
Nos anos 70, época em que Marcos escreve o seu evangelho, as comunidades viviam numa situação difícil. Do exterior eram perseguidas pelo império romano. A partir de dentro viviam-se dúvidas e tensões. Alguns grupos afirmavam que João Baptista era igual a Jesus (At 18, 26; 19,3). Outros queriam saber como deviam começar o anúncio da Boa Nova de Jesus. Nestes poucos versículos Marcos começa a responder, narrando como se iniciou a Boa Nova de Deus que Jesus nos anuncia e qual é o lugar que João Baptista ocupa no projecto de Deus.

Algumas perguntas para ajudar na meditação e na oração

a) Qual o ponto do texto que gostaste mais e que mais te chamou a atenção?
b) Que diz o texto acerca da missão de João Baptista?
c) Com que finalidade o Evangelho cita os profetas do Antigo Testamento?
d) Que diz o texto acerca da pessoa de Jesus e sobre a sua missão?
e) Que nos ensina para nós, hoje?

Contexto de então e de hoje

O Evangelho de Marcos começa deste modo: Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus (Mc 1, 1). Tudo tem um início. Também a Boa Nova que Jesus nos comunica tem um princípio. Cita os profetas Isaías e Malaquias e menciona João Baptista, que prepara a vinda de Jesus. Marcos mostra-nos, deste modo, que a Boa Nova de Deus, revelada por Jesus, não caiu do céu, mas que vem de longe, através da História. E tem um precursor, alguém que preparou a vinda de Jesus. Também para nós a Boa Nova chega-nos através de pessoas e acontecimentos bem concretos que nos indicam o caminhos que leva a Jesus. Por isso, ao meditar o texto de Marcos, convém não esquecer esta pergunta: “Na história da minha vida quem me indicou o caminho que conduz a Jesus? Ajudei alguém a descobrir a Boa Nova de Deus? Fui o precursor para alguém?”.

Comentário do texto

Marcos 1, 1: Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Na primeira frase do seu Evangelho, Marcos diz: Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus(Mc 1, 1). No final do Evangelho, no momento da morte de Jesus, um soldado romano exclama: Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus! (Mc 15, 39). No princípio e no fim encontra-se este título de Filho de Deus. Entre o princípio e o fim, ao longo das páginas do Evangelho, Marcos esclarece como deve ser entendida e anunciada esta verdade central da nossa fé: Jesus é o Filho de Deus.

Marcos 1, 2-3: A semente da Boa Nova está escondida na esperança das pessoas. Para indicar o começo da Boa Nova, Marcos cita os profetas Malaquias e Isaías. Nos textos destes dois profetas aparece a esperança que habitava nos corações das pessoas no tempo de Jesus. As pessoas esperavam que o mensageiro, anunciado por Malaquias, viesse a preparar o caminho do Senhor (Mal 3, 1), segundo o que tinha sido proclamado pelo profeta Isaías que diz: Uma voz grita: «Preparai no deserto o caminho do Senhor» (Is 40, 3). Para Marcos a semente da Boa Nova é a esperança suscitada nas pessoas pelas grandes promessas que Deus tinha feito no passado por meio dos profetas. É importante descobrir a esperança que as pessoas têm no seu coração. A esperança é a última a morrer!

Marcos 1,4-5: O movimento popular suscitado por João Baptista faz crescer a esperança das pessoas. Marcos faz como também nós fazemos. Serve-se da Bíblia para iluminar os acontecimentos da vida. João Baptista tinha provocado um grande movimento popular. Toda a região da Judeia e todos os habitantes de Jerusalém iam ao encontro de João! Marcos serve-se dos textos de Malaquias e de Isaías para iluminar este movimento popular, suscitado por João Baptista. Indica que com a vinda de João Baptista a esperança do povo começou a encontrar uma resposta, a realizar-se. A semente da Boa Nova começa a despontar, a crescer.

Marcos 1, 6-8: João Baptista é o Profeta Elias que as pessoas esperavam. Do Profeta Elias dizia-se que vinha preparar o caminho do Messias “convertendo o coração dos pais para com os filhos e o coração dos filhos para com os pais!” (Mal 3, 24; cf. Lc 1, 17), ou seja, esperavam que Elias viesse reconstruir a vida comunitária. Elias era conhecido como “um homem vestido de peles e com um cinturão feito de couro à cintura” (2Re 1, 8). Marcos diz que João se vestia com peles de camelo. Indicava com claridade que João Baptista tinha vindo a cumprir a missão do Profeta Elias (Mc 9, 11-13).

Nos anos 70, época em que Marcos escreve, muitas pessoas pensavam que João Baptista fosse o Messias (cf. Act 19, 1-3). Para ajudá-las a discernir, Marcos cita as palavras do próprio João: “Depois de mim vem aquele que é mais forte do que eu e de quem não sou digno de desatar as suas sandálias. Eu baptizei com água. Ele baptizará no Espírito Santo”. Marcos diz-nos que João indica o caminho para Jesus. Faz saber às Comunidades que João não era o Messias mas antes o seu precursor.

O contexto mais amplo do Evangelho de Marcos (Mc 1, 1-13)

As pessoas pensavam que o baptismo de João era uma realidade vinda de Deus! (Mc 11, 32) Tal como o povo, também Jesus percebia que Deus se manifestava na mensagem de João. Por isso, saiu de Nazaré, chegou ao Jordão, e colocou-se na fila para receber o baptismo. No momento em que estava a ser baptizado, Jesus teve uma experiência profunda de Deus. Viu os céus a abrirem-se e o Espírito Santo descer sobre Ele, e a voz do Pai que dizia: “Tu és o meu Filho predilecto. Em ti pus toda a minha confiança”. Nesta breves palavras aparecem três pontos muito importantes:

  1. Jesus experimentou Deus como um Pai e vê-se a si mesmo como um Filho. Eis aqui a grande novidade que Ele nos comunica: Deus é Pai. O Deus que estava longe como Deus Altíssimo torna-se próximo como Pai, bem próximo como Abba, Papá. Isto é o centro da Boa Nova que Jesus nos traz.
  2.  Uma frase que Jesus ouviu do Pai e do profeta Isaías, em que se anuncia que o Messias é o Servo de Deus e do povo (Is 42,1). O Pai indicava a Jesus a missão do Messias Servo e não a de um Rei glorioso. Jesus assumia esta missão de serviço e foi fiel a ela até à morte, e morte de cruz! (cm Fil 2,7-8). Ele disse: “Não vim para ser servido mas para servir!”(Mc 10,45).
  3. Jesus viu o céu a abrir-se e o Espírito descer sobre ele. Precisamente quando Jesus descobre a sua missão de Messias Salvador, recebe o dom do Espírito Santo para poder desenvolver a missão. O dom do Espírito Santo tinha sido prometido pelos profetas (Is 11, 1-9; 61, 1-3; Jl 3, 1). A promessa começa a realizar-se solenemente quando o Pai proclama Jesus como seu Filho predilecto.

    Depois do Baptismo o Espírito de Deus toma posse de Jesus e lança-o para o deserto, onde se prepara para a missão (Mc 1, 12s). Marcos diz que Jesus permaneceu no deserto 40 dias, e que foi tentado pelo demónio, Satanás. Mateus 4, 1-11 explica as tentações, tentações que assaltaram o povo no deserto depois da saída do Egipto: a tentação do pão, a tentação do prestígio, a tentação do poder (Dt 8, 3; 6, 16; Dt 6, 13). Tentação é tudo o que nos assalta no caminho para Deus. Deixando-se orientar pela Palavra de Deus, Jesus enfrenta as tentações e não se deixa desviar (Mt 4, 4.7.10). É em tudo igual a nós, até nas tentações, menos no pecado (Heb 4, 15). Misturado no meio dos pobres e unido ao Pai pela oração, fiel ao Pai e à oração, resiste e segue o seu caminho de Messias- Servo, o caminho do serviço a Deus e ao povo (Mt 20, 28).

    Começo da Boa Nova de Jesus, hoje. A semente da Boa Nova entre nós

     

    Marcos começa o seu evangelho descrevendo como foi o princípio do anúncio da Boa Nova de Deus. Talvez nós desejaríamos uma data precisa. Mas o que temos é uma resposta aparentemente confusa; depois Marcos cita Isaías e Malaquias (Mc 1, 2-3), fala de João Baptista (Mc 1, 4-5), alude ao profeta Elias (Mc 1, 4), evoca a profecia de Servo de Yahvé (Mc 1, 11) e faz-nos pensar nas tentações do povo no deserto, depois da saída do Egipto (Mc 1, 13). Agora perguntemos: “Marcos, quando foi o começo: na saída do Egipto, no deserto, com Moisés, Isaías, Malaquias ou com João Baptista? Quando foi?”. O começo, a semente, pode ter sido tudo isso ao mesmo tempo. O que Marcos quer sugerir é que deveríamos aprender a ler a nossa história com outro olhar. O começo, a semente da Boa Nova de Deus, está escondida na nossa vida, no nosso passado, na história em que vivemos. O povo da Bíblia tinha esta convicção: Deus está presente na nossa vida e na nossa história. Por isso ele preocupava-se em recordar os factos e as personagens do passado. A pessoa que perde a memória da própria identidade não sabe de onde vem nem para onde vai. Ele lia a história do passado para aprender a ler a história do presente e descobrir nela os sinais da presença de Deus. É o que Marcos faz no começo do seu evangelho. Trata de descobrir os factos, e aponta o fio da esperança que vinha do Êxodo, de Moisés, passando pelo profeta Elias, Isaías e Malaquias, até chegar a João Baptista que vê em Jesus aquele que realiza a esperança do povo.

    Quais são os sinais de esperança, por pequenos que sejam, que existem hoje na nossa história e que apontam para um futuro mais justo e melhor? Eis algumas possíveis sugestões: 1) a resistência e o despertar por todas as partes do mundo de raças oprimidas que procuram a vida, a dignidade para todos; 2) o despertar da consciência do género em muitas mulheres e homens, que revelam novas dimensões da vida que antes não eram percebidas; 3) a nova sensibilidade ecológica que aumenta por toda a parte, sobretudo entre os jovens e as crianças; 4) o conhecimento crescente da cidadania que procura novas formas de democracia; 5) diálogo e debates sobre problemas sociais que suscitam um desejo de maior participação que até transforma as pessoas que no meio do trabalho, do estudo, encontram tempo para dedicar gratuitamente o seu serviço aos outros; 6) a procura crescente de novas relações de ternura, de respeito mútuo entre as pessoas; 7) cresce a indignação das pessoas pela corrupção e a violência. Algo de novo está a nascer que não permite ficarmos indiferentes diante dos abusos políticos, sociais, culturais de classe e de sexo. Há uma nova esperança, um sonho novo, um desejo de mudança. O anúncio da Boa Nova será na verdade Boa Nova se for portadora desta novidade que assoma no meio do povo. Ajudar a abrir os olhos para ver esta novidade, comprometer as comunidades de fé na busca desta utopia significa reconhecer a presença de Deus que liberta e transforma agindo no quotidiano da nossa vida.

1º DOMINGO DO ADVENTO (ANO B)

27 de Novembro de 2011

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 Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos (Mc 13, 33-37)

Tomai cuidado, vigiai, pois não sabeis quando chegará esse momento. É como um homem que partiu de viagem: ao deixar a sua casa, delegou a autoridade nos seus servos, atribuiu a cada um a sua tarefa e ordenou ao porteiro que vigiasse. Vigiai, pois, porque não sabeis quando virá o dono da casa: se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se de manhãzinha; não seja que vindo inesperadamente, vos encontre a dormir. O que vos digo a vós, digo a todos: vigiai!

Chave de leitura

Vigiai! Esta é a palavra chave da curta passagem que a Igreja reserva para a liturgia do primeiro Domingo do Advento. Vigiar, estar atentos, esperar o dono da casa que deve regressar, não adormecer, é isto o que Jesus pede a todo o cristão. Estes quatro versículos do evangelho de São Marcos fazem parte do discurso escatológico do capítulo treze. Este capítulo fala-nos da ruína do Templo e da cidade de Jerusalém. Um discípulo diz: “Repara, Mestre, que pedras e que construções!” (Mc 13, 1). Jesus aproveita para aclarar as ideias: “Vês estas grandiosas construções? Não ficará delas pedra sobre pedra; tudo será destruído” (Mc 13, 2). O Templo, sinal tangível da presença de Deus no meio do povo eleito, Jerusalém, a cidade “bem unida e compacta” “onde sobem as tribos do Senhor, para louvar o nome do Senhor” (Salmo 122, 4), tudo isto, sinal seguro da promessa feita a David, sinal da aliança, tudo isto irá à ruína... é só um sinal de algo que acontecerá no futuro. Os discípulos cheios de curiosidade pedem ao Senhor sentado no monte das Oliveiras, de frente ao Templo: “Diz-nos quando isto acontecerá e qual o sinal de que tudo está para acabar?” (Mc 13, 4). A esta pergunta, usando o estilo apocalíptico judaico inspirado no profeta Daniel, Jesus limita-se unicamente a anunciar os sinais premonitórios (falsos messias e falsos profetas que enganando, anunciarão a vinda iminente do tempo, perseguições, sinais nas forças dos céus (cf. Mc 13, 5-32), “quanto ao dia e à hora ninguém os conhece, nem os anjos do céu e nem sequer o Filho, mas somente o Pai” (Mc 13, 32).

Daqui se compreende a importância da espera vigilante e atenta dos sinais dos tempos que nos ajudam a acolher o “dono da casa” (Mc 13, 35). Quando ele vier tudo desaparecerá, “o poder dos servos“ (Mc 13, 34), inclusivamente os sinais que nos ajudam a recordar a sua benevolência (Templo, Jerusalém, casa). Os “servos” e o “porteiro” (Mc 13, 34), à chegada do dono já não olharão mais aos sinais, mas comprazer-se-ão no próprio dono: “Eis que chega o Esposo, saí ao seu encontro” (Mt 25, 6; Mc 2, 19-20).

Frequentemente Jesus pedia aos seus que vigiassem. No Jardim das Oliveiras, na tarde de quinta-feira, antes da Paixão, o Senhor disse a Pedro, Tiago e João: “Ficai aqui e vigiai comigo” (Mc 14, 34; Mt 26, 38). A vigilância ajuda-nos a não cair em tentação (cf. Mt 26, 41) e a permanecer despertos. No Jardim das Oliveiras os discípulos dormem porque a carne é débil ainda que o espírito esteja pronto (cf. Mc 14, 38). Quem dorme cai na ruína, como Sansão que adormece, perdendo deste modo as forças, dom do Senhor (Juízes 16, 19). É necessário estar sempre desperto e não adormecer, mas vigiar e orar para não ser enganado, aproximando-se assim da própria perdição (Mc 13, 22; Jo 1, 6). Por isso “desperta tu que dormes, levanta-te de entre os mortos e Cristo te iluminará” (Ef 5, 14).

Perguntas para orientar a meditação e actualização

- Que significa para ti a vigilância?

- O Senhor predisse a destruição do Templo e da cidade de Jerusalém, orgulho do povo eleito, símbolos da presença de Deus. Por que é que Jesus predisse a sua ruína?

 

- O Templo e a cidade santa eram formas concretas da aliança entre Deus e o Povo. Contudo, foram destruídos. Quais são as nossas formas concretas de aliança? Acreditas que terão o mesmo fim?

 

- Jesus chama-nos a ultrapassar as formas para nos aproximarmos  d'Ele. Que coisas, formas, sinais, crês que o Senhor te pede que ultrapasses para te aproximares d'Ele?

 

- Estás adormecido? Em quê?

 

- Vives sempre esperando a vinda do Senhor?

 

- O Advento é para ti uma ocasião que te recorda que a vigilância é uma dimensão da vida cristã?