Vida e obras de Teresa de Jesus

Vida e obras de Teresa de Jesus

 

Teresa de Jesus vive na Espanha do século XVI, concretamente em Castela, onde passa toda a sua vida, excepto os três anos da fundação de Sevilha. Toca-lhe uma época que ela qualifica de “tempos difíceis”, de câmbios profundos. O homem, e já não Deus, começa a ser a medida de todas as coisas, passa a ser o centro do mundo e toma consciência da sua interioridade.

Manifesta-se uma grande ânsia de reforma da vida cristã, entendida como experiência do Deus misterioso que se busca pelos caminhos da vida interior, e que se fez rosto e palavra humana, (livro vivo, em expressão da Madre Teresa) em Jesus Cristo. Anela-se uma vida cristã liberta das mediações externas que a asfixiam, e a fé redescobre-se como acto de confiança radical no Deus encarnado, o Deus da misericórdia, que “não se espanta das fraquezas dos homens, que entende a nossa miserável compostura” (V 37, 6), como diz Santa Teresa, que falará da amizade com Deus através de Cristo.

No meio desse mundo, Teresa de Jesus afirma que Deus existe, que ela o experimentou e que é um Deus vivo que transformou a sua vida. Mesmo que, por uma parte, transcende as nossas ideias e conceitos, por outra é um Deus próximo, entranhável, que quis fazer do nosso interior morada, casa e lar; um Deus com quem se pode dialogar, e esse diálogo é a oração.

Nesse tempo não é fácil ser mulher, espiritual e leitora. E Teresa era tudo isso. Ela reclama a presença activa da mulher na Igreja pedindo o direito à vida espiritual. Por outra parte, Teresa assiste à ruptura dolorosa da unidade da Igreja; e apesar de não ter sido compreendida por muitos eclesiásticos do tempo, pôde exclamar: ao fim, Senhor, sou filha da Igreja”.

Síntese biográfica

Teresa de Ahumada, Teresa de Jesus, nasce em Ávila a 28 de Março de 1515 e morre em Alba de Tormes a 5 de Outubro de 1582. É filha de Alonso Sanchez de Cepeda, descendente de judeus conversos, e de Beatriz de Ahumada, de família fidalga. O Livro da Vida menciona alguns detalhes da sua família, que podemos qualificar como numerosa, com nove irmãos e três irmãs, junto a uns pais “virtuosos e tementes a Deus”.

Ao cumprir os 14 anos, morre a sua mãe. Nesse momento reza diante da Virgem da Caridade: “Como eu comecei a entender o que tinha perdido, aflita, fui diante de uma imagem de Nossa Senhora e supliquei-lhe, com muitas lágrimas, que fosse minha mãe” (V 7, 1). Em 1531, seu pai manda-a como interna para o convento das freiras agostinhas de Santa Maria de Graça, mas no ano seguinte por motivo de doença tem que regressar a casa.

Determinada a vestir o hábito carmelita contra a vontade de seu pai, em 1535 foge de sua casa para dirigir-se ao convento da Encarnação. Veste o hábito em Novembro de 1536.

Um ano depois da sua profissão, em finais de 1538, devido a uma grave doença, sai do convento para restabelecer-se; e estando em casa de um tio seu, em Hortigosa do rio Almar, lê o Terceiro Abecedário de Francisco de Osuna, que lhe descobre o mundo da oração mental, através da meditação da vida de Cristo e o conhecimento próprio.

Após um agravamento que quase a leva à morte, em 1539 regressa, ainda convalescente e paralítica, à Encarnação, onde lentamente vai recuperando o movimento. Ela atribui isso a uma intervenção de São José, a quem, desenganada dos médicos, se tinha encomendado. E a sua devoção a São José aumenta e se converte em amizade com este Santo a quem sente e chama familiarmente meu Pai e Senhor São José (V 6, 6).

Uma vez recomposta das suas dores, começa a instruir na oração a outros, freiras e leigos, entre eles o seu próprio pai, embora ela se vá afastando da mesma. Durante anos luta entre a dedicação à vida espiritual e os passatempos superficiais, até que em 1554, com 39 anos, dois acontecimentos marcam a sua vida. O primeiro é o encontro com uma imagem de Cristo muito chagado, que a determina a entregar-se por completo nas suas mãos, fazendo sempre e em tudo a vontade de Deus. O segundo acontecimento é a leitura das Confissões de Santo Agostinho: “Quando cheguei à sua conversão e li como ele ouviu aquela voz no jardim, não me parecia senão que o Senhor me falava a mim, segundo sentiu o meu coração; estive por largo tempo desfazendo-me toda em lágrimas… Começou a crescer em mim a disposição de estar mais tempo com Ele (V 9, 8-9).

A partir desse momento, começou a ter fortes vivências interiores, que os seus confessores, a princípio qualificavam como imaginárias ou como obra do demónio. Ela confia que são de Deus pelo efeito de paz e do reforço de virtudes que deixam na sua alma e o anelo de servir a Deus. Propõe-se estabelecer um novo estilo de vida carmelitana mais fiel às suas origens. Este ideal torna-se realidade a 24 de Agosto de 1562 com a fundação do convento de São José. A partir de então, a dedicação à contemplação e à oração se compaginará com uma actividade extraordinária como fundadora, que desde 1567 funda outros 16 conventos de Carmelitas Descalças: Medina del Campo, Malagón, Valladolid, Toledo, Pastrana, Salamanca, Alba de Tormes, Segóvia, Beas de Segura, Sevilha, Caravaca de la Cruz, Villanueva de la Jara, Palencia, Sória e Burgos. Neles estabelece um estilo de vida religiosa orante, fraterna, alegre, com sentido de pertença à Igreja. E em 1568, em Duruelo, com a colaboração de São João da Cruz, funda os frades Carmelitas Descalços, e quer que sejam fraternos, orantes, cultos e apostólicos, que trabalhem ao serviço da Igreja através do ministério sacerdotal e missionário.

Escritora

Teresa de Jesus é uma leitora empedernida desde a sua infância, quando ouve e lê as histórias de santos no Flos sanctorum, e desde a sua adolescência aficionada aos livros de cavalaria, com os quais gasta “muitas horas do dia e da noite” (V 2, 1). Ao longo da sua vida é uma “voraz leitora dos doutos livros religiosos” (Menéndez Pidal).

Começa a escrever sendo adulta, por mandato dos seus confessores e porque sente a necessidade de transmitir a sua experiência às suas filhas, as monjas descalças, e por extensão aos leitores que estudem a sua obra. Os seus escritos são reflexo da sua rica personalidade, da cultura que adquiriu nas suas leituras, da sua experiência de Deus e do seu carisma de Madre. Por outra parte, muitos dos seus textos estão autocensurados, porque a Inquisição vigia os seus escritos, nos quais Teresa transmite a sua experiência pessoal e as suas experiências místicas. Tem consciência também das suas limitações, e como às vezes resulta difícil agarrar a verdade, mas quer sobretudo ser sincera: “Agora e outrora posso errar em tudo, mas não mentir que, pela misericórdia de Deus, nem por coisa do mundo diria uma coisa por outra (V 28,4).

Os seus escritos

  • Livro da Vida, escrito na sua redacção actual em 1565. Nele quer abrir-nos a sua alma e contar-nos “mui por miúdo e com clareza meus grandes pecados e ruim vida, mas os meus confessores não quiseram, antes atando-me muito neste caso” (V pról. 1). Teresa relata o seu modo de oração e os favores que Deus lhe fez (V 10-22) neste livro ao qual chamará Minha alma (Cta. 23-6-68).
  • Caminho de Perfeição, meu livrinho, como lhe chama a Madre Teresa (CC 4,3), foi redigido duas vezes (autógrafos de El Escorial e Valladolid). Nele, Teresa expõe o seu projecto de Reforma: formar pequenas comunidades de “bons amigos”, que, com a sua vida de fidelidade ao Evangelho possam ajudar a Igreja. O meio para isso é a oração, entendida como exercício de amor a Deus que se contrasta no amor ao próximo, e que implica uma atitude de desprendimento necessária para entregar-se aos demais e de menosprezo da honra, como segredo da verdadeira humildade (capítulos 5-23). Finaliza a obra com um comentário do Pai Nosso.
  • As Fundações, é o livro histórico por excelência da Madre Teresa, e assim se pode entender como continuação do Livro da Vida. Começa a escrevê-lo em 1573 e vai continuando na medida em que vai fundando cada convento.
  • Castelo Interior ou as Moradas, escrito em 1577, em apenas dois meses e no meio de conflitos e perseguições, é a obra da maturidade de Teresa. É um compêndio da sua doutrina: o mistério da graça e o mistério do pecado nos subúrbios do Cas­telo (M I), o ingresso na interioridade (M II), a vida de oração com todos os seus elementos: vida sacramental, litúrgica, virtudes, etc. (M III); a escalada da alma para Deus (M IV, V e VI), e o encontro definitivo com Ele, o Amado (M VII).
  • Contas de consciência, publicadas também com os títulos de Livro das Re­lações; Relações e Mercês; Relações espirituais e Mercês. Constituem uma boa introdução aos escritos teresianos, pois oferecem uma síntese de “os tesouros de Deus depositados na alma de Teresa, em situações e momentos muito concretos da sua vida”. 
  • Meditações sobre os Cantares, também chamadas Conceitos do Amor de Deus. Nelas Teresa interpreta cinco textos do Cântico dos Cânticos, reflecte sobre a verdadeira paz que oferece o estado religioso e a falsa paz do mundo, descreve a oração de quietude e de união e os seus efeitos, fala dos desejos de sofrer por Deus e pelo próximo, e dos frutos abundantes que dão na Igreja “as almas favorecidas da união divina e desprendidas do próprio interesse”.
  • Exclamações, são 17 meditações ou orações em voz alta.
  • As Constituições e a Visita de Descalças são redigidas para regular a vida das carmelitas.
  • As Cartas são os escritos em que Teresa se expressa com mais espontaneidade. Conservam-se umas 500 dos vários milhares de cartas que escreveu.

Como era Teresa?

Foi dito acerca de Teresa de Jesus que era bela, inteligente e santa, ainda que ela se descreva como “… enfim, mulher, e não boa, mas ruim” (V 18,4).

Era uma pessoa nobre, íntegra, que recusava toda a falsidade e hipocrisia: “Posso errar em tudo, mas não mentir, que, pela misericórdia de Deus, antes passaria mil mortes” (M 4 2, 7). Inclinada à amizade, extrovertida e graciosa na sua conversação, era delicada, generosa e sensível aos favores. Ela mesma afirma que “isto que tenho de ser agradecida, deve ser natural, que com uma sardinha que me dêem me subornarão” (Carta a Maria de São José, 1578). Dotada de um especial dom para atrair os melhores colaboradores, dizia dela o P. Graciano que era “tão aprazível e agradável, que a todos os que tratavam com ela, atraía atrás de si, e amavam-na e queriam”.

Era profundamente religiosa e, ao mesmo tempo, prática, enérgica, tenaz, trabalhadora e sacrificada. Dizia o bispo Mendoza que “se compromete de tal modo, que consegue o que começa”.

Foi amiga das letras e dos bons livros e buscava o conselho dos bons letrados. Era habilidosa nas tarefas caseiras, e até entre panelas capta também a presença de Deus. Foi uma mulher alegre; para ela “um santo triste é um triste santo”.

Foi uma pessoa de contrastes: contemplativa e activa, simples e sábia, enferma e forte, solitária e sempre acompanhada, perseguida e ditosa, pobre e esplêndida, pecadora e santa, e sobretudo muito humana. Quando passou pelo convento dos Anjos das franciscanas em Madrid, as monjas comentaram: “Bendito seja o Senhor, que nos deixou ver uma santa a quem todas podemos imitar, que dorme e fala como nós e anda sem cerimónias... e é grande a sua lhaneza!”.

Luis Javier Fernández Frontela