A formação permanente

A formação permanente como desafio para

a revitalização da Vida Religiosa

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Na Assembleia de Novembro de 2016 da União dos Superiores Gerais, realizada em Roma, o Pe. Fernando Millán Romeral, Superior Geral da Ordem do Carmo, apresentou uma comunicação a que deu o título de “Alguns desafios na animação da Vida Religiosa de hoje em vista da missão tanto «ad intra» como «ad extra»”. Da longa comunicação, seleccionámos a matéria referente à “formação permanente” dada a constante importância e necessidade da mesma.

Quando entrei na vida religiosa, em 1980, a formação permanente era um elemento fundamental da nossa vida. As províncias preparavam cursos, elaboravam-se programas e materiais, organizavam-se encontros inclusivamente a nível internacional, etc. Sem cair numa linguagem demasiadamente jornalística, diria que era um verdadeiro “boom”. Este interesse pela formação permanente foi decaindo pouco a pouco. Por um lado, a falta de pessoal em algumas províncias faz com que seja muito difícil organizar estes encontros, assim como “libertar” pessoas que possam dedicar algum tempo à formação que começa quase a ser vista como um “luxo”.

Por outro lado, observa-se também em alguns sectores uma certa tendência para a formação ideologizada. Só se chama tal professor que “é muito bom”, que “está muito bem preparado” e que, por fim, vai dizer (brincando um pouco com a situação) o que queremos ouvir.

Esta falta de formação permanente conduz-nos em alguns casos a consequências bastantes negativas. Por exemplo, a perda de qualidade no nosso serviço pastoral, a falta de reflexão interna sobre a vida do instituto, a rotina, quer dizer, o fazer as coisas de determinada forma, porque sempre foram feitas dessa forma, sem capacidade para discernir e avaliar onde nos encontramos, isto é, as nossas presenças, com critérios sérios. Inclusivamente atrever-me-ia a contar entre as consequências negativas, a falta de entusiasmo pela vocação, a falta de incentivos, a atrofia de certas capacidades intelectuais, espirituais e carismáticas...

Outras das consequências negativas é a superficialidade dos nossos discursos e das nossas reflexões. Não se trata de estar sempre a comentar o Grundkurs des Glaubens (Curso fundamental da fé) de Karl Rahner, ou o de nos instalarmos na Sétima Morada de Santa Teresa, mas, pelo menos, o sermos homens e mulheres de profundidade, com uma rica interioridade, com algo para dizer. Parafraseando o poeta espanhol António Machado, diria que hoje necessitamos mais do que nunca de homens e mulheres que saibam “distinguir as vozes dos ecos...”.

Para tal não contribui o que denominamos de “excesso informático”. Aviso, desde já, que não sou um troglodita reaccionário que se levanta contra estes meios. Não é necessário destacar aqui as vantagens de todo o tipo que os meios digitais oferecem ao homem de hoje e consequentemente à Igreja. Há anos, neste mesmo lugar, o Pe. António Spadaro falou-nos disso com paixão. Tampouco faz falta dizer (é indubitável) que a Igreja tem de estar presente nestes meios, com convicção, com entusiasmo e com generosidade.

Mas, a par de tudo isto, não podemos tampouco esquecer que os meios digitais (ou melhor, o mau uso dos mesmos), conduzem, em muitos casos, a opiniões superficiais e apressadas, a uma cultura de manchetes, ao não aprofundamento de nada. Nem sempre informação e formação são coincidentes. Isto costuma ir acompanhado da cultura da crispação, das batalhas eclesiais e teológicas (que não têm nada a ver com o debate são) e do pensamento, mais que débil, anoréxico…

Por tudo isso, insisti muito na necessidade da formação permanente e em que esta não é (ou não é só) uma questão académica ou intelectual. A formação é uma atitude humana e espiritual, é uma forma de estar no mundo, abertos aos sinais dos tempos, às novas problemáticas, a uma reflexão séria, profunda, honesta... que nos leve por sua vez ao discernimento sobre a nossa presença no mundo de hoje. Mais ainda (e permiti-me a nota de sabor carmelitano), eu atrever-me-ia a dizer que a formação permanente é a atitude típica do contemplativo, que quer estar atento aos pequenos sinais da presença de Deus no mundo. Creio que suscitar essa atitude de formação permanente é um desafio urgente na vida religiosa dos nossos dias.

Fr. Fernando Millán Romeral, O. Carm.