Da escolha do prior e dos três votos

A Regra do Carmo

- Da escolha do prior e dos três votos -

 

4. Determinamos, em primeiro lugar, que tenham um de vocês como prior, que seja eleito para este serviço através do consenso unânime de todos ou da parte mais numerosa e mais madura. A ele cada um dos outros prometa obediência e se empenhe em cumprir na verdade da prática o que prometeu, juntamente com a castidade e a renúncia à propriedade.

Um pouco de história: de Alberto a Inocêncio, a longa gestação (1207 a 1247)

A Regra do Carmo foi escrita para frades que viviam em lugares afastados na solidão do Monte Carmelo no começo do século XIII (1207). As primeiras normas da Regra (Rc 4 a 9) trazem determina­ções muito concretas em vista da organização da infra-estrutura da vida comunitária daqueles frades naquele lugar. Elas informam, por exemplo, como deviam ser: o governo (Rc 4), o lugar de moradia (Rc 5), as refeições em comum (Rc 7), a cela (Rc 6), a acolhida (Rc 9). Aparentemente, tratam de coisas já ultrapassadas, pois hoje, no começo do século XXI, nós não vivemos em grutas na solidão do Monte Carmelo, mas em casas ou em conventos no meio de ci­dades muito povoadas aqui na América Latina. A diferença é muito grande! Mas vamos ver qual era o objectivo daquelas normas. Sabendo por que foram dadas, descobre-se melhor o seu alcance para nós hoje.

Alberto escreveu a Regra em 1207. Quando, em 1238, os carmelitas voltaram para Europa e foram morar em cidades, perceberam que a Regra, escrita para a solidão do Monte Carmelo, devia ser revista e actualizada. Algumas das normas dadas em 1207 já não estavam de acordo com a nova realidade que eles estavam vivendo no meio dos menores (pobres) nas cidades da Europa. Caso eles fossem observar aquelas normas ao pé da letra, seriam infiéis ao objectivo que Alberto tinha em mente. A fidelidade à letra tornaria impossível a fidelidade ao espírito do ideal do Carmelo (2Cor 3,6).

Além disso, havia uma outra dificuldade. Como vimos na Introdução, no Concílio de Lateranense de 1215, tinha sido decidido que, daquela data em diante, já não seria possível escrever novas regras monásticas. As novas Ordens e Congregações que surgissem deviam assumir uma das regras já existentes. Ora, os carmelitas tinham vindo para Europa só no ano 1238, isto é, 23 anos depois daquele Concílio. Muitos teólogos e bispos diziam aos carmelitas: "Vocês nasceram depois do Concílio! Vocês não podem ter uma Regra própria, mas devem seguir uma das regras já existentes!" Foi um momento de grande crise.

Por isso, num Capítulo Geral, realizado em 1246, os carmelitas discutiram o problema e resolveram enviar dois delegados a Roma, os frades Pedro e Reginaldo, a fim de pedir ao Papa Inocêncio IV duas coisas: a revisão de alguns pontos desactualizados da Forma de Vida dada por Alberto e a sua aprovação como verdadeira Regra de Vida Religiosa. O Papa entregou o texto de Alberto a dois frades dominicanos, o cardeal Hugo e o bispo Guilherme, para que fizessem a revisão. Algumas pequenas modificações bem precisas foram introduzidas, a fim de que o ideal do Carmelo pudesse ser vivido também no novo contexto das cidades da Europa. E assim, no dia 1 de Outubro de 1247, este texto modificado foi aprovado como Regra única e definitiva para toda a família carmelita. Foi uma longa gestação que durou 40 anos! O povo de Deus também ficou 40 anos no deserto até tornar-se parceiro adulto de Deus.

Na Introdução já assinalamos as principais modificações introduzidas na Regra a pedido do Papa Inocêncio IV. Ao longo dos Círculos iremos indicando o significado e o alcance destas poucas modificações que influíram profundamente no estilo de vida que os carmelitas levavam.

A primeira norma da Regra: "tenham um de vocês como prior"

No Prólogo (Rc 3), Alberto fala de uma proposta que os primeiros carmelitas lhe tinham feito. Eles queriam que Alberto lhes redigisse uma Forma de Vida, segundo a qual haveriam de viver de agora em diante (Rc 3). Ora, a primeira determinação desta Forma de Vida (Regra) trata, não da oração, nem da leitura orante da Bíblia, mas sim da escolha do Prior ou do coordenador, ao qual todos devem prometer obediência, juntamente com a castidade e a renúncia à propriedade. Se Alberto colocou esta norma em primeiro lugar, antes de todas as outras, é porque, para ele, se tratava de um valor muito importante para a vivência do ideal carmelita.

Por que esta determinação sobre a escolha do Prior é tão importante? É que, naquele tempo, a escolha de um Prior para uma comunidade religiosa era uma novidade. Nos outros mosteiros, o superior era um Abade. Um abade era eleito para ser superior pelo resto da sua vida; ad vitam, como diziam. Às vezes, ele era nomeado pelo bispo. Ora, entre os carmelitas, o superior não é um abade, nem é nomeado, mas é um prior, um do meio deles, igual aos outros, eleito pelos outros, não para sempre mas só por alguns poucos anos. A Regra diz claramente, "um do meio de vocês seja eleito" (Rc 4). Era por rodízio (Rc 22).

A palavra prior vem do latim. É uma forma gramatical comparativa. Literalmente, indica alguém um pouco mais na frente dos outros, o primeiro entre iguais (primus inter pares). A instituição do prior modifica o relacionamento do poder no interior da comunidade. Introduz um elemento democrá­tico na organização da vida comunitária e contrasta com a vida monacal, onde o Abade era superior até à morte. A nova instituição impede que o superior ou a superiora assimile o poder como propriedade pessoal. Quem é eleito por três ou seis anos sabe que é "um no meio de vocês" (Rc 4) e que, depois de alguns anos, voltará a ser novamente um súdito, igual aos outros. A institui­ção do prior é a expressão da opção dos carmelitas pela vida fraterna.

A obediência prometida ao prior não significa que ele pode fazer o que bem entende. Não! Como todos os outros, também o prior deve obediência à Regra. Ele é eleito para servir (Rc 22) e coordenar o esforço comum de todos para viver em obséquio de Jesus Cristo. Ele representa a comunidade. Os irmãos prometem a ele obediên­cia, castidade e pobreza, como se fosse a Cristo (Rc 23). Na Regra o prior recebe as seguintes atribuições:

Deve ser eleito por todos ou pela maioria dos irmãos e deles recebe a obediência (Rc 4 e 23)

  • Junto com os irmãos decide sobre o lugar de moradia (Rc 5)
  • Junto com os irmãos cuida para que cada frade tenha a sua cela (Rc 6)
  • Dar licença com relação à mudança de lugar de moradia (Rc 8)
  • Receber as pessoas na entrada do lugar de moradia e encaminhá-las (Rc 9)
  • Através de um irmão por ele designado, cuidar da distribuição dos bens conforme as necessidades das pessoas (Rc 12)

O que chama a atenção nas funções que o prior recebe na Regra é que, no exercício do seu poder de servir, ele quase nunca aparece sozinho, mas sempre junto com os irmãos: unanimidade, maioria, junto com os irmãos, através de um dos irmãos. Ou seja, trata-se de uma maneira participativa e mais democrática de exercer o poder.

Resumindo. Dizendo que devem ter um Prior e não um Abade, como era o costume nos mosteiros da época, Alberto introduz ou confirma duas coisas: 1. O poder é relativizado e não dura para sempre. Acentua-se a dimensão do serviço. 2. O relacionamento entre superior e súdito é horizontalizado e reduzido a "iguais". Somos irmãos!

Os três votos: redefinir a vida em todas as suas dimensões

A expressão com castidade e abdicação de propriedade foi acrescentada pelo Papa Inocêncio IV em 1247. No texto de Alberto de 1207, só se mencionava a obediência. O acréscimo do Papa explicita o que já estava implícito no ideal proposto pela Regra, e situa o grupo dos carmelitas dentro do conjunto da Vida Religiosa que se caracterizava pela observância dos três conselhos evangélicos: obediência, pobreza e castidade.

A Obediência é prometida ao Prior como representante de Cristo e da Comunidade. Refere-se, antes de tudo, ao compromisso de "viver em obséquio de Jesus Cristo" de acordo com o rumo indicado pela Regra. Implica que o carmelita, a carmelita, deve viver o ideal da Regra em comunidade. Obediência não significa que a pessoa deva perder ou abdicar a sua vontade. Significa, ao contrário, activar a própria vontade ao máximo, até ela estar em conformidade total com a vontade de Deus. Deste modo, a pessoa imita a Jesus que disse: "Nada faço por mim mesmo, mas falo como me ensinou o Pai... Faço sempre o que lhe agrada" (Jo 8,28-29; cf Jo 3,11; 8,38). "Quem me vê, vê o Pai!" (Jo 14,9).

A Castidade é vivida de maneira diferente de acordo com o estado de vida que a pessoa tiver escolhido: casada ou solteira. Para os que optaram pela vida religiosa, ela significa não casar por causa do Reino. Para todos significa viver o amor em plenitude. A vivência da castidade ajuda a pessoa a estar disponível para Deus e para os irmãos e as irmãs e, assim, ser um sinal do futuro que Deus oferece a todos. Não significa que a pessoa não casada deva viver frustrada ou complexada, como se não fosse plenamente humana. Pelo contrário! Significa activar a amizade e o amor ao máximo, a ponto de poder irradiar o amor de Deus para todos com que convive. Deste modo, a pessoa imita a Jesus que disse: "Não chamo vocês de empregados, porque o empregado não sabe o que faz o seu patrão; mas eu chamo vocês de amigos, porque tudo que ouvi do meu Pai dei a conhecer a vocês!" (Jo 15,15).

A Pobreza é não considerar-se proprietário ou proprietária das coisas de que se dispõe, mas possuir tudo em regime de comunhão de bens. É viver como pobre do próprio trabalho ou da esmola recebida como retribuição pelo anúncio do evangelho. É viver junto com os "menores" (pobres) e, assim, contestar a desigualdade social. É ser profeta e assumir a luta pelo Reino. Pobreza não significa que a pessoa deva ser relaxada ou viver na miséria. Pelo contrário! Significa que se deve ter o máximo cuidado com os bens que Deus nos concede; apreciá-los como dons recebidos que Deus quer para todos e não só para uns poucos. É ser semente e amostra da nova convivência que o evangelho nos propõe. Deste modo, a pessoa imita a Jesus que viveu pobre com os pobres, partilhava com eles o que possuía, e denunciava a riqueza injusta (Lc 6,20.25; 12,22-34; 16,19-31).

  • A obediência conserta e purifica o relacionamento com Deus.
  • A castidade conserta e purifica o relacionamento interpessoal.
  • A pobreza conserta e purifica o relacionamento social.

Carlos Mesters, Ao redor da fonte

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