Nossa Senhora de Fátima e o Escapulário do Carmo

NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

E O

ESCAPULÁRIO DO CARMO

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Duas devoções há que resistiram à prova dos tempos: O Rosário e o Escapulário.

 

A partir do século XIII, elas tornaram-se parte viva da viva fé da Igreja ocidental. Poder-se-ia mesmo afirmar que se tornaram os sinais distintivos do bom católico, a ponto de onde fosse a fé atacada, serem elas estigmatizadas como práticas supersticiosas. Grande parte da devoção universal a Nossa Senhora encontra-se na história dessa dupla devoção, o Rosário e o Escapulário.

Durante a longa e tenebrosa noite da perseguição religiosa quando os nossos antepassados eram privados dos sacramentos, o Rosário e o Escapulário conservavam viva a fé nas almas dos fiéis. Até nos nossos dias, onde por esta ou aquela razão não se encontram sacerdotes, essas duas devoções antigas sobreviveram à penúria espiritual de muitas décadas, e conservaram acesa a luz da fé.

 

Vestidas com o Escapulário de Nossa Senhora do Carmo, armadas do Rosário, inúmeras almas combateram e palmilharam o caminho da vida com Cristo e a sua Santíssima Mãe.

 

Fátima é um exemplo rutilante de como o Rosário e o Escapulário conservaram a fé dum povo, não obstante a tremenda oposição do Liberalismo, da Maçonaria e do Anticlericalismo.

 

Antes das aparições de 1917, Fátima era praticamente ignorada no mundo, e dela poder-se-ia dizer o que outrora se dizia de Nazaré - «o que de bom poderia vir de lá?». A Cova da Iria, onde se deram as aparições, era apenas uma bacia oculta entre montanhas no centro de Portugal. Ali pastores pobrezinhos vigiavam os seus rebanhos e cultivavam bocados de terra encravada nas rochas. Ali, a vida familiar seguia o padrão tradicional da Idade-Média, e era forte e fecunda por causa dos vínculos espirituais que a encadeavam. A maior riqueza de Fátima era o Rosário o qual atravessara séculos. Pode bem ser que as aparições fossem a recompensa de Nossa Senhora por essa longa fidelidade de devoção para com Ela. Quando acabava a faina do dia e soavam as Ave-Marias, a família reunia-se para a recitação diária do Rosário, e no pequeno e humilde lar ecoavam docemente os louvores Cristo e a sua Santíssima Mãe.

 

Para bem compreendermos a longa tradição do Rosário em Fátima e seus arredores, devemos retornar ao século XIV, cujos últimos decénios formam um período decisivo na história da independência portuguesa. Quem mais do que qualquer outro salvou o seu país de tornar-se uma parte permanente do Reino de Castela, foi o herói nacional, Nuno Álvares Pereira, Condestável de Portugal, e mais tarde humilde irmão donato na Ordem do Carmo. Foi Nuno Álvares que fez calar as pretensões de Castela ao trono de Portugal, e quem fez rei D. João I. Foi Nuno que conduziu o exército às vitórias de Aljubarrota e Valverde, batalhas decisivas na construção da independência portuguesa.

 

Tanto o rei como o seu Condestável, atribuíram a sua vitória contra as armas superiores dos invasores a Nossa Senhora. A uma dúzia de quilómetros, pouco mais ou menos, ao Oeste da Cova da Iria, existe uma capelinha onde D. João I prometeu que, se a vitória fosse sua, construiria um templo que mais digno fosse d’Ela. Batalha, jóia de arquitectura gótica ali se ergue, é a oferta perene de acção de graça do monarca português. D. João I confiou-o aos filhos espirituais de S. Domingos, os quais fiéis à sua missão pregaram intensamente o Rosário. O Rosário tornou-se a grande oração familiar de toda a região nas cercanias de Batalha.

 

Os Dominicanos tão bem desempenharam a sua missão, que embora o Rosário desaparecesse de muita regiões de Portugal, a devoção em Fátima continuou intocável através das mudanças sociais e políticas que se sucederam.

 

Assim como D. João I foi o instrumento para a difusão do Rosário, o seu Condestável o foi para a do Escapulário do Carmo.

 

Nascido a 24 de Junho de 1360, Nuno passou a sua infância na calma e no conforto. Com certeza foi a sua profunda devoção a Maria que o salvou das tentações da corte corrompida em que vivia. Como muitos rapazes do seu tempo a sua imaginação fora excitada fortemente pelas histórias de cavalarias, e o seu sonho era tornar-se um cavaleiro que pudesse conquistar exércitos com a fortaleza nascida da castidade. O seu herói favorito era Galaad a quem ardentemente desejava imitar. O amor para com Maria Santíssima foi o mais alcandorado e sublime ideal da sua vida. Nuno dedicara-se inteiramente a Ela, e tudo o que fazia era em nome e honra de Maria. Depois de armado cavaleiro, gravara na sua espada o nome de Maria e no seu estandarte a sua imagem. Como o seu rei, também Nuno depositou toda a sua esperança em Maria, e no concelho de Ourém ao qual pertencia Fátima, ele rezou e vigiou na véspera da Assunção pela vitória de Aljubarrota.

 

Em Valverde a desproporção entre castelhanos e portugueses era tão grande, que Nuno retirou-se para suplicar a Nossa Senhora das Vitórias que o auxiliasse. Fez um voto: se a vitória dos portugueses coroasse a árdua peleja, ele levantaria uma igreja em sua honra. Coube-lhe a vitória a premiar-lhe a fé. Cumpriu a sua promessa. Nuno porém construiu não uma, mas diversas igrejas. A igreja do Carmo de Lisboa fora magnífica e ainda é impressionante nas suas ruínas. Foi um ex-voto de Nuno em acção de graças a Nossa Senhora do Vencimento. Depois dos loiros colhidos nos campos de batalha Nuno com alguns dos seus companheiros retiraram-se para o Carmelo que ele construíra ao pé da igreja do Carmo de Lisboa. Tinha 72 anos, quando entrou na Ordem. Tão grande era a sua humildade que insistiu em ser humilde irmão donato. Tomou o nome de Nuno de Santa Maria, e durante o tempo que viveu no claustro dividiu o seu tempo entre a oração e o cuidado dos pobres. Sabendo próximo o seu fim, pediu que se lesse o Evangelho de S. João e, às palavras: «Eis aí a tua Mãe», Nuno expirou docemente, foi trocar o seu humilde burel de Carmelita pela túnica nupcial da glória. Antes do Beato Nuno, a Ordem do Carmo era praticamente desconhecida em Portugal.

 

Em 1250, os Cavaleiros de S. João tinham doado aos Carmelitas um convento em Moura, mas foi a fundação de Lisboa que lhes deu projecção. Poder-se-ia considerar Nuno como o fundador da Ordem em Portugal, pois foi por ele, pela sua influência, que se estabeleceu uma Província Carmelitana em 1423. Foi também por seu intermédio que a Província gozou do patrocínio da família real, coisa tão importante naquele tempo. Nuno fora entretanto, o maior benfeitor do Carmo até ao dia da sua morte, em 1431.

 

O que os Dominicanos fizeram pela propagação do Rosário, Nuno e os Carmelitas o fizeram pelo Escapulário. É admirável o zelo daqueles homens que trabalharam com tanto ardor, para que o Escapulário tivesse o seu lugar ao lado do Rosário, na devoção do povo português! Os anais da Província mostram-nos quão numerosos eram os membros das Confrarias e das Ordens Terceiras. Contavam-se por milhares.

 

No século XVI, quando se impunha a Reforma como necessária às outras Províncias, o Carmelo português conservava o seu antigo espírito e o comunicava a milhares de fiéis. Em 1572, e no ano seguinte, o famoso Geral da Ordem, João Baptista Rossi, escrevia à Sagrada Congregação em Roma: «...tem sido uma fonte de alegria para mim ter podido conceder a ‘patente de erecção’ (litterae confraternitatis) e escapulários a mais de 200.000 fiéis em Espanha e Portugal». Mais tarde, no mesmo século, José Falcone chama a Espanha e Portugal de grande família carmelitana «toda a Espanha e Portugal parecem ser um grande Convento Carmelita».

 

Em 1613, o Capítulo Geral destinou uma soma de dinheiro à Província portuguesa para a defesa do Privilégio Sabatino, considerado como antiga devoção desse país.

 

Não foi sem razão portanto que Sua Ex.ª o Sr. Núncio Apostólico, por ocasião doVII Centenário do Escapulário, escreveu: «Portugal, Terra de Santa Maria, distinguiu-se sempre pela devoção ao Bentinho de Nossa Senhora do Monte Carmelo que usaram tantos dos que, no Século das Descobertas, foram mares em fora a dilatar a Fé e o Império».

 

Poderíamos perguntar se a devoção do Escapulário sobreviveu aos desvarios políticos da Nação e permaneceu firmemente radicado na alma do povo como o Rosário? Diga-se o que quiser, o facto é que em Fátima, a devoção ao Escapulário estava bem viva por volta de 1917. Temos as repetidas afirmações de Lúcia que Nossa Senhora do Carmo era venerada na sua igreja paroquial, e a pequena imagem venerada pela vidente ainda se encontra na sacristia. A actual pintura de Nossa Senhora do Carmo, que está na parede do lado direito da igreja, tomou o lugar do antigo quadro que se vê agora na sacristia. Uma companheira de Lúcia é testemunha dessa devoção popular. Ela conta-nos como Lúcia em criança gostava de cantar antigos hinos, entre os quais um a Nossa Senhora do Carmo. Quando as crianças se reuniam para brincar ou para pastorear os seus rebanhos cantavam:

 

Nome de Maria

Tão bonito é!

Salvai a minha alma

Que ela vossa é.

 

 

 

 

 

 

 

Senhora do Carmo 

Mandou-me um recado

Que reza três vezes 

Bendito e louvado.

 

 

 

 

 

 

 

Bendito e louvado

Eu hei-de rezar 

Senhora do Carmo

Me há-de ajudar.

 

Não pode haver dúvida portanto, de como em 1917 a devoção ao Escapulário era ainda popular em Fátima, e que uma tradição viva se havia conservado na mente e nos corações do povo devoto.

 

Não se pode dizer o mesmo de outras regiões de Portugal, mormente das cidades.

 

Na entrevista que tive com Lúcia, a 12 de Junho de 1950, ela acentuou como Nossa Senhora do Carmo era pouco conhecida no seu país natal. Foi nessa altura que me pediu para fazer algo em Fátima, para reavivar a antiga devoção a Nossa Senhora do Carmo na alma do povo português.

 

Continua                

 

    

  

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