Natal do Senhor: Missa da Vigília – 24 de dezembro de 2025

Maria Árvore de Jessé

Acolhimento. Sinal da cruz. Oração inicial. Invocação do Espírito Santo:

A. Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis
T. E acendei neles o fogo do vosso amor.
A. Enviai o vosso Espírito e tudo será criado
T. E renovareis a face da terra.

A. Oremos. Senhor, nosso Deus, que iluminastes os corações dos vossos fiéis com a luz do Espírito Santo, tornai-nos dóceis às suas inspirações, para apreciarmos retamente todas as coisas e gozarmos sempre da sua consolação. Por Cristo, nosso Senhor. T. Amen.

1) LEITURA (Que diz o texto? Que verdade eterna, que convite/promessa de Deus traz?)
 

Leitura do Evangelho segundo S. Mateus (1,1-25)

1,1Livro da origem de Jesus Cristo, filho de David, filho de Abraão: 2Abraão gerou Isaac; Isaac gerou Jacob; Jacob gerou Judá e os seus irmãos. 3Judá gerou, de Tamar, Farés e Zara; Farés gerou Esrom; Esrom gerou Arão; 4Arão gerou Aminadab; Aminadab gerou Naasson; Naasson gerou Salmon; 5Salmon gerou, de Raab, Booz; Booz gerou, de Rute, Obed; Obed gerou Jessé; 6Jessé gerou o rei David. David gerou Salomão, da mulher de Urias; 7Salomão gerou Roboão; Roboão gerou Abias; Abias gerou Asaf; 8Asaf gerou Josafat; Josafat gerou Jorão; Jorão gerou Ozias; 9Ozias gerou Joatão; Joatão gerou Acaz; Acaz gerou Ezequias; 10Ezequias gerou Manassés; Manassés gerou Amon; Amon gerou Josias; 11Josias gerou Jeconias e os seus irmãos, por ocasião do exílio na Babilónia. 12Depois do exílio na Babilónia, Jeconias gerou Salatiel; Salatiel gerou Zorobabel; 13Zorobabel gerou Abiud; Abiud gerou Eliacim; Eliacim gerou Azor; 14Azor gerou Sadoc; Sadoc gerou Aquim; Aquim gerou Eliud; 15Eliud gerou Eleazar; Eleazar gerou Matã; Matã gerou Jacob; 16Jacob gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, chamado Cristo. 17Assim, todas estas gerações são: de Abraão até David, catorze gerações; de David até à deportação para a Babilónia, catorze gerações; da deportação para a Babilónia até ao Cristo, catorze gerações. 18A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua Mãe, estava desposada com José e antes de terem vivido juntos, achou-se grávida por virtude do Espírito Santo. 19Mas José, seu marido, que era justo e não queria expô-la, resolveu repudiá-la em segredo. 20Tendo ele assim pensado, eis que lhe apareceu, num sonho, um anjo do Senhor, dizendo: “José, filho de David, não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado é do Espírito Santo. 21Dará à luz um Filho e pôr-lhe-ás o nome de Jesus, pois Ele salvará o seu povo dos seus pecados”. 22Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que tinha sido dito pelo Senhor por meio do profeta: 23“Eis que a virgem conceberá no ventre e dará à luz um filho, a quem chamarão Emanuel” o que, traduzido, é: “Deus connosco”. 24Quando despertou do sono, José fez como o Anjo do Senhor lhe tinha ordenado e recebeu a sua mulher. 25E não a conheceu até que ela deu à luz um filho; e pôs-lhe o nome de Jesus.

Ler a primeira vez… Em silêncio, deixar a Palavra ecoar no coração… Observações:

O presente texto pertence à primeira das doze secções, dispostas concentricamente, em forma de quiasma, em que se divide o Evangelho de Mateus: as origens, o nascimento e a infância de Jesus (1,1-2,23). Nela, pretende Mateus demonstrar, segundo os métodos rabínicos, como é que Jesus, chamado popularmente “o Nazareno” (2,23; 26,71; cf. 4,13; 21,11), é, de facto, o Messias prometido, da descendência de David, nascido em Belém (cf. 2,6-8). O texto de hoje, com que se abre o Evangelho, compõe-se de duas partes: a origem humana (vv. 1-17) e divina de Jesus (vv. 18-25).

  • v. 1. Livro da origem de Jesus Cristo, filho de David, filho de Abraão.

    vv. 1-17: Lc 3,23-38. Mateus começa a sua obra apresentando uma genealogia, a de Jesus, desde o início da história da salvação até ao mesmo, ou seja, de Abraão a José. É um forma de começar uma obra literária no Médio Oriente, presente também noutros livros do AT (cf. Nm 1,1-47; 1Cr 1-9). Trata-se aqui de uma genealogia sem ramificações, cuja função é legitimadora, tal como acontecia no mundo antigo (cf. Eus. Hist.eccl. 3,12.19-20,6; 32,1-6; 35; 4,5,3). O v. 1 (Cristo-David-Abraão) forma uma inclusão com o v. 17 (Abraão-David-Cristo). Com ela, Mateus incorpora toda a história e pensamento do AT no Evangelho, indicando que se alguém quiser conhecer e compreender Jesus, deve ler o AT (e a literatura intertestamentária). Ao mesmo tempo, mostra que todo o AT é caminho para Cristo, sua meta e termo, que o leva à plenitude.

    Mateus intitula esta genealogia – e, com ela, a sua obra –, não como “Evangelho” (Mc 1,1) ou “palavra” (Lc 1,2; At 1,1) – termos que originalmente designam uma forma de pregação oral –, mas como “Livro da origem” (gr. bíblos genéseôs: Gn 2,4; 5,1), apresentando-a assim como um livro, um texto escrito, onde se registam nomes, fatos e palavras (cf. Ex 32,32s; Tb 1,1), redigido primordialmente para ser lido pessoal ou comunitariamente (cf. 12,26; Js 1,8; Br 1,3) e destinado a ensinar (cf. 28,20; 2Cr 17,9). Com esta expressão, Mateus remete para o nome do primeiro livro da Bíblia na tradução grega dos LXX, a Bíblia usada pela Igreja apostólica, Génesis (v. 18), palavra que significa ao mesmo tempo “geração”, “origem”, “nascimento”. Mateus indica assim que em Jesus começa uma nova etapa ou época da salvação e que nele se inaugura uma nova criação, desabrocha um novo povo de Deus e surge uma nova humanidade. Para o nome “Jesus”, cf. v. 21.

    O título “Cristo” (Mt 16x, 6+10 = yod+vav, uma das formas do nome divino), a forma grega do hebraico Messias, significa “ungido”. É o “ungido” por Deus com o Espírito Santo (cf. Is 11,2) como sacerdote, profeta e rei (cf. Lv 21,12; Dt 18,18; Is 45,1; 1QS 9,11)  Este título (4x neste texto: vv. 16.17.18) já é usado por Mateus como nome próprio: “Jesus Cristo” (v. 18).

    Jesus é o Messias porque é “filho de David” – a expressão com que o povo designava habitualmente o Messias (Mt, 9x: 9,27; 12,23; 15,22; 20,30.31; 21,9.15; cf. 22,42.45) – ou seja, o descendente prometido por Deus a David que haveria de sentar-se no seu trono, cujo reinado havia de durar para sempre (cf. 2Sm 7,11-16; 1Cr 17,10-14; Sl 72,5.17-19; 89,5.30.36-37; Is 9,6-7; 11,1-10; Dn 2,44; 7,13-14), e que havia de trazer a salvação definitiva ao seu povo e a todas as nações. Ele estende a salvação a todas as nações porque é “filho de Abraão”, o membro do Povo de Deus através do qual havia de se cumprir, em favor de toda a humanidade, a promessa de Deus a Abraão de na sua descendência (he. zera’, gr. sperma) – que é Cristo (Gn 22,18; 26,4; 28,14; Gl 3,16.19.29) – serem abençoadas todas as nações da terra (cf. Gn 12,3; 18,18; Sl 77,17; At 3,25; Gl 3,8).

  • v. 2. Abraão gerou Isaac; Isaac gerou Jacob; Jacob gerou Judá e os seus irmãos.

    Depois de ter enunciado a tese, Mateus “demonstra-a”, apresentando a genealogia de Jesus desde Abraão. Divide-a em três partes (cf. v. 17). Os três primeiros nomes são os dos patriarcas: Abraão – com o qual começa a história da salvação em sentido estrito (cf. Gn 11,27; 12,1; 17,5) –, Isaac e Jacob (cf. Gn 21,2s; 25,26; 1Cr 1,34), seguidos do nome do quarto filho deste último, Judá (cf. Gn 29,35), que anuncia pela primeira vez a vinda do Messias: «O cetro não se afastará de Judá, nem o bastão de comando de entre os seus pés, até que chegue aquele a quem ele pertence e a quem é devida a obediência dos povos» (Gn 49,10).

  • vv. 3-6a: 3Judá gerou, de Tamar, Farés e Zara; Farés gerou Esrom; Esrom gerou Arão; 4Arão gerou Aminadab; Aminadab gerou Naasson; Naasson gerou Salmon; 5Salmon gerou, de Raab, Booz; Booz gerou, de Rute, Obed; Obed gerou Jessé; 6Jessé gerou o rei David.

    As fontes da primeira parte são Rt 4,12.18-22 (cf. NmR 13,24) e 1Cr 2,4-5.9-12.15. Nela mencionam-se três mulheres; Tamar, cujo nome já aparece em 1 Cr 2,4, uma cananeia (cf. Gn 38,2), que Jacob escolheu como esposa de seu filho Er (Gn 38,6), do qual ela ficou viúva (cf. Gn 38,11.13) e com quem, disfarçada, Jacob, pensando que era uma prostituta (Gn 38,15), teve relações, nascendo desta união Farés e Zara (Gn 38,29s); e duas outras: Raab, a prostituta de Jericó (Js 2,1.3; 6,17.23. 24; cf. Hb 11,31; Tg 2,25), e Rute, a moabita (Rt 1,4-4,13), cujos nomes são acrescentados por Mateus. Esta parte é a que tem o maior número de nomes em comum com a genealogia apresentada por Lucas: Abraão, Isaac, Jacob (Lc 3,34), Judá, Farés, Esrom, Arão, Aminadab (ib. 33), Naasson, Booz, Obed, Jessé (ib. 32) e David (ib. 31).

  • vv. 6b-11: 6David gerou Salomão, da mulher de Urias; 7Salomão gerou Roboão; Roboão gerou Abias; Abias gerou Asaf; 8Asaf gerou Josafat; Josafat gerou Jorão; Jorão gerou Ozias; 9Ozias gerou Joatão; Joatão gerou Acaz; Acaz gerou Ezequias; 10Ezequias gerou Manassés; Manassés gerou Amon; Amon gerou Josias; 11Josias gerou Jeconias e os seus irmãos, por ocasião do exílio na Babilónia.

    Para a segunda parte, a fonte é 1Cr 3,1-16 e 1Esd 1,32. É mencionada aqui outra mulher, a quarta da genealogia, cujo nome, Betsabé, não é mencionado por Mateus (ao invés de 1Cr 3,5), que a chama apenas “a mulher de Urias”, o hitita, com a qual David cometeu adultério, enviando o marido dela para a morte (cf. 2Sm 11,1-12,24). Para a designação “exílio” (no NT só em Mt, 3x aqui: vv. 11.12.17): cf. 2Rs 24,16; Lm 1,7; Ez 12,11.

  • vv. 12-15: 12Depois do exílio na Babilónia, Jeconias gerou Salatiel; Salatiel gerou Zorobabel; 13Zorobabel gerou Abiud; Abiud gerou Eliacim; Eliacim gerou Azor; 14Azor gerou Sadoc; Sadoc gerou Aquim; Aquim gerou Eliud; 15Eliud gerou Eleazar; Eleazar gerou Matã; Matã gerou Jacob.

    Para os três primeiros nomes da terceira parte, Jeconias até Zorobabel: cf. 1Cr 3,16-17.19; Esd 3,2; 5,2; Ne 12,1; Ag 1,1.12.14;2,2.23. Os nomes que seguem podem proceder da tradição oral. Todos eles são bíblicos, mas não estão relacionados genealogicamente. Nesta terceira parte os únicos nomes que a genealogia de Mateus e a de Lucas têm em comum até José são Salatiel e Zorobabel (v. 12; Lc 3,27).

  • v. 16. Jacob gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, chamado Cristo.

    Este versículo, com o qual se a genealogia de Jesus chega ao fim, apresenta José, filho de Jacob, com todo o cuidado, evitando dar a entender que Jesus seria seu filho (cf. Lc 3,23), afirmando que José era “o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, chamado Cristo”. Parece um paradoxo: apresentar toda a genealogia de Jesus através de José, só para romper o padrão no final. Mas a rutura dos padrões é uma característica de todo este evangelho. Destaca-se assim que com Jesus irrompe uma nova era, abre-se uma nova etapa na história da salvação.

    Ao longo desta genealogia são mencionadas cinco mulheres, três das quais são introduzidas por Mateus: Raab, Rute e Maria. Porque é que estas mulheres são mencionadas? Três delas aparecem como pecadoras: Tamar (que se disfarça de prostituta, mas é reconhecida por Judá como justa: Gn 38,26); Raab (que era a prostituta de Jericó); e a mulher de Urias (que cometeu adultério com David). Três delas são gentias: Tamar e Raab, cananeias, e Rute, moabita; Betsabé aparece em 2Sm 11,3, como filha de Eliam, e em 1Cr 3,5, como filha de Ammiel, mas é apenas designada como “esposa de Urias”, o hitita, apresentando-a assim indiretamente como não sendo parte do povo de Deus. Seja como for, todas elas passaram a fazer parte da ascendência de Jesus de uma forma irregular, quer como estrangeiras, quer como pecadoras, à exceção de Maria. Elas fazem parte da humanidade pecadora, que não fazia parte do povo de Deus, excluída assim da promessa de salvação, dessa mesma humanidade que Jesus vem  salvar.

    A exceção é a quinta mulher, Maria, a Mãe de Jesus, com a qual se assinala um novo começo, realmente extraordinário, na história da humanidade, uma nova etapa da salvação (cf. v. 20).

  • v. 17. Assim, todas estas gerações são: de Abraão até David, catorze gerações; de David até à deportação para a Babilónia, catorze gerações; da deportação para a Babilónia até ao Cristo, catorze gerações.

    A genealogia de Jesus é dividida por Mateus em três partes, cada uma devendo ter 14 gerações. O evangelista segue aqui o judaísmo, que fala de 15 gerações de Abraão até Salomão (ExR 15,26), ou seja, de 14 gerações de Abraão a David. Este cômputo, aplicado a cada uma das partes da genealogia, sugere que se trata aqui de uma elaboração esquemática, pelo menos no sentido que cinco nomes da segunda parte foram omitidos (v. 9: o filho de Ozias, Joás; o filho deste, Amasias; o filho deste, Azarias, cf. 1Cr 3,11-12; v. 11: o filho de Josias, Joaquim; o filho de Jeconias, Sedecias: 1Cr 3,15-16), a fim de chegar ao número 14. No que se refere à terceira parte, falta um nome, pois Mateus repete o nome de Jeconias, com o qual termina a segunda parte (v. 11) e começa a terceira (v. 12). Será que Mateus teve um lapso e introduziu no v. 11 um duplicado, querendo antes referir “Joaquim”, o pai de Jeconias (1Cr 3,16), em vez do filho? Ou repete o nome de Jeconias, porque inclui o nome de Jesus no cômputo das 14 gerações?

    Seja como for, o padrão numérico imposto ao material reflete uma técnica exegética rabínica chamada gematria (mAb 3,18). Os algarismos só se difundem a partir de 670 d.C. Até então os números escreviam-se com letras. Neste caso, o simbolismo numérico implica o valor numérico das consoantes do nome hebraico David (Dvd: d = 4, v = 6; 4+6+4 = 14). Assim, toda a lista seria davídica. Como 3 é o número que simboliza Deus e 14 é 7 x 2, indicando 7 a perfeição ou plenitude, e 2 o ser humano; e 14 também pode ser 10 + 4, simbolizando 10 a totalidade e 4 a terra, então Jesus é o Cristo (vv. 16.17), o Messias divino, que veio trazer a plenitude da salvação à humanidade, aos seres humanos de toda a terra.

  • v. 18. A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua Mãe, estava desposada com José e antes de terem vivido juntos, achou-se grávida por virtude do Espírito Santo.

    vv. 18-25: Lc 2,1-7. A segunda parte do texto, “a conceção de Jesus”, é o primeiro episódio do “livro da origem de Jesus Cristo” (v. 1). Depois de ter apresentado a origem humana de Jesus (vv. 1-17), Mateus apresenta a sua origem divina (vv. 18-25). Este episódio pertence ao género literário, já presente no AT, dos “relatos do nascimento” de um eleito de Deus: o nascimento do eleito é anunciado por um anjo, que dá a conhecer a missão que Deus lhe vai confiar (cf. Jz 13,3s), indicada pelo nome que lhe deverá ser imposto, depois de ter nascido (cf. Gn 17,19). O eleito é, deste modo, associado de forma singular à obra salvífica de Deus, que é Quem toma a iniciativa e age através dele, mostrando que a obra é Sua e que a Sua Palavra é verdadeira, cumprindo-se sempre.

    Ao designar também este episódio como “origem”, génesis em grego (“geração”, “nascimento”: v. 1), Mateus indica que em Jesus começa uma nova criação, uma nova humanidade, uma nova etapa da salvação.

    Para “Jesus”: v. 21; para “Cristo”, v. 1.

    Estamos em Nazaré. Maria e José estão desposados (v. 16; Lc 1,27). O casamento em Israel processava-se em duas fases: 1) o desposório (he. 'aras: Dt 22,23) ou esponsais (he. 'erusin), em que os noivos se prometiam um ao outro em casamento mediante um contrato (ketubá) e se desposavam, mas sem coabitarem. Numa segunda fase, decorrido cerca de um ano (Ket 57b), selavam o seu compromisso definitivo, o casamento propriamente dito (he. hathunná: Ct 3,11; ou nessuin), passando então a viver juntos (cf. v. 24). O vínculo assumido no desposório tinha entretanto um caráter tão sério que eles já se chamavam “marido” e “mulher” e se uma das partes quisesse voltar atrás, sofria uma penalidade, sendo necessário recorrer ao divórcio para o dissolver. Se nesta fase fosse concebido um filho, este era considerado filho legítimo de ambos, e se a noiva cometesse uma infidelidade, era tratada como adúltera (cf. Dt 22,20-24).

    É então, nesta fase, que algo de inédito acontece: sem ter coabitado com José, Maria, que ainda vive em casa de seus pais, acha-se grávida por obra “do Espírito Santo” (cf. v. 20). O Espírito Santo é o amor de Deus em ação, a Sua força criadora que está na origem do universo (cf. Gn 1,2; Sl 104,30) e do homem (cf. Jb 33,4!; Ez 37,5s; Is 42,5). Jesus não será apenas o Messias, “ungido” pelo Espírito Santo, mas também concebido por Ele. Ele é o Homem novo, no qual se inaugura a nova criação. Maria, entretanto, não diz nada a ninguém, nem sequer a José, pois confia em Deus e deixa que seja Ele a agir e a dirigir tudo (cf. Sl 37,3-6).

  • v. 19. Mas José, seu marido, que era justo e não queria expô-la, resolveu repudiá-la em segredo.

    A seguir entra em cena José (he. “[Deus] acrescente”). Ele é “filho de Jacob” (v. 16), evocando José, filho do patriarca Jacob, o “homem dos sonhos” (Gn 30,24; 37,19), enviado por Deus à frente dos seus irmãos para “salvar” as suas vidas, em vista da “grande libertação” (Gn 45,7). É o que José fará com Maria e Jesus. Ao aperceber-se da gravidez de Maria, a quem ama, sendo o único a saber que a criança não é dele, não se atreve a acusar Maria e, apesar do que vê, respeita o mistério daquela gravidez, que não compreende, recusando repudiá-la publicamente, como mandava a Lei, limitando-se a fazê-lo “em segredo”, ou seja, em privado, entregando-lhe uma certidão de divórcio (Dt 24,1), a fim de não a acusar de adultério, "expondo-a" à morte por lapidação (Dt 22,20s.24).

    José age assim porque “era justo”. Embora soubesse, em consciência, que não podia manter a sua relação com Maria, a sua “justiça” (o amor a Deus e ao próximo, que se traduz na obediência à Sua vontade), que supera a dos escribas e fariseus (cf. 5,20), já é evangélica: age “em segredo”, só para agradar a Deus (cf. 6,1), não julgando Maria (cf. 7,1), preferindo a misericórdia à letra da Lei, evitando desta forma condenar um inocente (cf. 12,7).

    José e Maria são chamados “marido” e “mulher” (gr. anêrgunê: vv. 16. 19.20.24), tal como o primeiro casal (Gn 2,23; 3,6.16); mas ao invés dos nossos primeiros pais, em que a mulher e o homem pecaram e o homem depois acusou a mulher e Deus (Gn 3,12), neste caso nem Maria pecou, nem José a acusa, aparecendo assim ambos como o casal-imagem-de-Deus (cf. Gn 1,26-27) exemplar da nova humanidade (cf. v. 24).

  • v. 20. Tendo ele assim pensado, eis que lhe apareceu, num sonho, um anjo do Senhor, dizendo: “José, filho de David, não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado é do Espírito Santo.

    Tendo José pensado em repudiar Maria “em segredo” (2,7), Deus associa-se a ele e fala-lhe também em segredo, “num sonho”, através de um anjo (gr. “mensageiro”), enquanto ele dorme em sua casa. O termo “sonho” (gr. onár) só ocorre na Bíblia em Mateus (6x: 2,12.13.19.22.19). Era através de sonhos que Deus falava aos homens no AT (cf. Gn 20,3; 31,11; 37,6; 40,5; 41,1; Nm 12,6; 1Rs 3,5; Dn 4,13).

    “Anjo do Senhor” (2,13.19) designa no AT o próprio Deus que intervém na história para transmitir ao homem a Sua Palavra e lhe assegurar a Sua presença (Gn 16,11; 22,11.15; Ex 3,2), realçando assim a iniciativa divina, a verdade da sua Palavra, a transcendência da missão, o caráter sobrenatural da obra, a eficácia da ação.

    O anjo (he., gr. "mensageiro") começa por dizer a José que não tenha medo. É o oposto daquilo que aconteceu ao primeiro homem, depois de ter pecado: teve medo (cf. 3,10). Depois, revela a José algo de inédito, de radicalmente novo, que tinha irrompido não só na história do Povo de Deus, como na história da humanidade e na "origem" da própria criação (vv. 1.18): o mistério da conceção virginal de Jesus, levada a cabo pelo poder criador do Espírito Santo: “o que nela foi gerado é do Espírito Santo” (cf. v. 18; Lc 1,35). 

  • v. 21. Dará à luz um Filho e pôr-lhe-ás o nome de Jesus, pois Ele salvará o seu povo dos seus pecados”.

    Se em Lucas a anunciação do nome é feita a Maria (Lc 1,31), em Mateus é a José que compete impor o nome ao filho, segundo a Lei (v. 25; ao oitavo dia, na circuncisão, quando o pai recebe e assume a criança como seu filho, mesmo que este seja apenas adotivo: Gn 17,19; 21,3s; Lc 2,21). “Jesus” é a tradução grega do nome hebraico “Josué” (Ieoshuá), “Deus salva”. Em aramaico, Ieoshuá diz-se Ieshuá, a palavra hebraica "salvação". É o nome do sucessor de Moisés, que introduziu Israel na Terra Prometida.

    Na Bíblia, o nome indica a missão. Neste caso, a missão de Jesus será, como diz o seu nome "Deus salva", "salvação", a de salvar “o seu povo”, agora, porém, não, como no tempo de Moisés, da escravidão do Egito, de senhores e inimigos terrenos (os egípcios), mas dum domínio e duma escravidão muito pior, a “dos seus pecados”. Ora só Deus podia salvar dos pecados (Sl 130,8), porque só Ele os podia perdoar (cf. 9,3.6; Mc 2,7). Por isso, nenhum membro do povo de Deus da antiga aliança esperava que o Messias perdoasse ou libertasse dos pecados (Str-B 1,70-74).

    É esta a terceira novidade: Jesus salvará o seu povo dos seus pecados (sabemo-lo agora, como Deus, pelo Seu Sangue, derramado para remissão dos pecados: 26,28; Lv 17,11; Hb 9,14s; Ef 1,7; Cl 1,1), libertando, como novo Moisés, e levando, como novo Josué, o novo povo de Deus, num novo êxodo, à sua verdadeira pátria, o Reino dos céus.

  • v. 22. Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que tinha sido dito pelo Senhor por meio do profeta.

    É em Jesus que se “cumpre o que foi dito” por Deus nas Escrituras (plêrôthê tó rêthen, 10x: 2,15.17.23; 4,14; 8,17; 12,17; 13,35; 21,4; 27,9). Este é um tema central de Mateus, que escreve para cristãos de origem judaica, para quem era fundamental a prova escriturística, aduzida segundo o esquema promessa–cumprimento: Deus diz e faz (Ez 37,14): Deus faz o que disse, cumpre o que prometeu (cf. Nm 23,19). "Tudo" o que Deus prometeu no AT realiza-se em Jesus Cristo e, por meio dele, naqueles que nele acreditam. Jesus Cristo é a realização plena das Escrituras (5,17-18), embora ultrapassando tudo o que alguma vez se poderia pensar, pedir ou esperar de Deus no AT, tal como o próprio Deus já o tinha afirmado no livro do profeta Isaías (cf. 48,6-7; 55,8-9).
     
  • v. 23. “Eis que a virgem conceberá no ventre e dará à luz um filho, a quem chamarão Emanuel” o que, traduzido, é: “Deus connosco”.

    Nesta citação de Is 7,14, aqui explicitamente aduzida por Mateus, resumem-se as outras duas surpreendentes boas novas de Deus, para além do anúncio do nascimento do Messias, comunicadas pelo anjo: 1) Jesus, o Messias, é, de facto, concebido pelo Espírito Santo no seio de uma virgem.

    A passagem de Isaías, que no AT apenas indicava que uma virgem – no original hebraico ‘almah, ou seja, uma "donzela" em idade núbil – iria conceber (deixando naturalmente de ser virgem), realiza-se agora, porém, à letra, em Maria, que literalmente concebe, permanecendo virgem – o que, humanamente é impossível – sendo este o verdadeiro sinal, literalmente, "o portento" (he. 'oth: 7,11.14), que Deus tinha anunciado por meio de Isaías; 2) "o sinal" (portento) prometido por Deus, vai não só além de tudo o que se poderia pensar, imaginar ou pedir, quando ao modo da conceção do Messias (uma conceção virginal), mas também quanto à identidade do mesmo: Ele é o verdadeiro Emanuel prometido nesta passagem de Isaías, ou seja, o “Deus connosco” (Is 8,8.10; 2Cr 32,8; Sl 46,8.12), por outras palavras, Deus que se faz homem, o próprio Deus que em pessoa, em Jesus Cristo, veio habitar no meio dos homens, como "Filho do homem".

    Esta mesma passagem, Is 7,14, aduzida por Mateus, não era, nem é, interpretada em sentido messiânico pelo judaísmo, limitando-se este a dizer que Isaías nela apenas se tinha referido ao rei Ezequias, filho de Acaz (NuR 14,173a). O que é uma realização muito débil, incompreensível mesmo, da palavra anunciada. Agora, porém, Deus revela de forma inaudita o sentido deste anúncio misterioso, até então nunca realizado de forma cabal na história, cumprindo à letra o que tinha anunciado e nesta profecia realmente queria dizer: que Ele próprio viria habitar no meio do seu povo, como aliás, já dissera diversas vezes pelos profetas (cf. Ex 29,45; Ez 37,27; Zc 2,10; 8,23; 2Cor 6,16). Novo é que, agora, ela realmente se cumpre, à letra, sendo Ele mesmo, Deus, a habitar em Jesus – o Emanuel, Deus connosco –, não só no meio do seu povo, mas também entre os homens. Um tema de capital importância para a auto compreensão do povo de Deus, já desde Moisés (cf. Ex 33,1634,9), que virá a ser retomado por Mateus no final do seu Evangelho (28,20; cf. 26,29), de modo a estruturar a sua obra partir desta “grande inclusão”, formada à volta da figura de Jesus, o “Deus connosco”.

  • v. 24. Quando despertou do sono, José fez como o Anjo do Senhor lhe tinha ordenado e recebeu a sua mulher.

    “Quando despertou do sono” (Gn 28,16), “José fez como o Anjo do Senhor lhe tinha ordenado” (gr. prostásso: 8,4; Js 5,14) e recebe Maria como esposa. Como verdadeiro “filho de Abraão” (v. 1), José crê na palavra de Deus e obedece-lheem silêncio, sem dizer uma só palavra, tal como Abraão na hora da prova e da maturidade da sua fé (cf. 2,14; Gn 22,3). E José, tal como Abraão, "esperando contra toda a esperança, creu" (Rm 4,18) e pôs toda a sua confiança, não no que via (cf. Gn 15,6) ou as leis da natureza ditavam (cf. Rm 4,19-20), mas em Deus, certo de que Deus era poderoso para cumprir o que prometera (através de Isaías) e afirmava (pelo anjo; cf. Rm 4,21).

    E assim as vidas de Maria e de Jesus serão salvas e Jesus será “o Filho de David” (Mt, 9x: v. 1; 2,42.45 9,27; 12,23; 15,22; 20,30s; Rm 1,3; 2Tm 2,8; 2Sm 7,11-16), não em virtude da carne, pela força da Lei, mas graças à promessa, por obra do Espírito Santo. Jesus será "filho de David", enquanto filho adotivo de José, para fazer dos que nele crerem, filhos adotivos de Deus, participantes com Ele da sua mesma bênção e da mesma herança divina.

    Deus compraz-se na colaboração do homem, reputando o que se faz ao mais pequenino dos irmãos do Seu Filho como sendo feito a Ele (cf. 25,40) e recompensando-o superabundantemente por isso; é o que literalmente acontece: o gesto que José tem em relação a Maria (e a Jesus) é realmente feito a Deus (em Jesus). E a recompensa por Ele dada ultrapassa tudo o que se poderia pedir ou imaginar: é o próprio Deus, feito Emanuel, Deus connosco, a ser gestado, nascer e viver na sua família, do Seu povo e da humanidade.


  • v. 25. E não a conheceu até que ela deu à luz um filho; e pôs-lhe o nome de Jesus.

    Mateus garante que José não teve relações sexuais com Maria, apesar de coabitarem, até Jesus ter nascido, confirmando assim que Ele é concebido pelo Espírito Santo, e não por obra do homem. E volta a sublinhar a obediência pronta e silenciosa de José: depois de Maria ter dado à luz, José impõe ao menino o nome de Jesus, como o anjo lhe ordenara (v. 21; cf. Lc 2,21).

    Ler o texto outra vez... Em silêncio, escutar o que Deus diz no segredo...


2) MEDITAÇÃO… PARTILHA… (Que me diz Deus nesta Palavra?)

     a) Que frase me toca mais? b) Que diz à minha vida? c) Oração em silêncio…
     d) Partilha e) Que frase reter? f) Como a vou / vamos pôr em prática?

  • Jesus já veio e nasceu efetivamente na vida de cada um de nós, nas nossas famílias, nas nossas casas religiosas, nas nossas comunidades cristãs, no meio daqueles com quem vivemos? Quer vamos fazer, para que isso aconteça?

3) ORAÇÃO PESSOAL… (Que me faz esta Palavra dizer a Deus?)

4) CONTEMPLAÇÃO… (Saborear a Palavra em Deus, deixando que ela inflame o coração)

Salmo responsorial                               Sl 89, 4-5.16-17.27 e 29 (R. 2a)

Refrão: Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor.

Concluí uma aliança com o meu eleito,
fiz um juramento a David meu servo:
Conservarei a tua descendência para sempre,
estabelecerei o teu trono por todas as gerações.     R.

Feliz o povo que sabe aclamar-Vos
e caminha, Senhor, à luz do vosso rosto.
Todos os dias aclama o vosso nome
e se gloria com a vossa justiça.     R.

Ele me invocará: ‘Vós sois meu Pai,
meu Deus, meu Salvador’.
Assegurar-lhe-ei para sempre o meu favor,
a minha aliança com ele será irrevogável.     R.

Pai-nosso…

Oração conclusiva:

Senhor nosso Deus, que todos os anos nos alegrais com a esperança da salvação, concedei-nos contemplar sem temor, quando vier como juiz, Aquele que em alegria recebemos como Redentor, nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho. Ele que é Deus e convosco vive e reina, na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. T. Amen. 

Ave-Maria...

Bênção final. Despedida.

5) AÇÃO... (Caminhar à luz da Palavra, encarnando-a e testemunhando-a na nossa vida)

Fr. Pedro Bravo, O.Carm.