A Regra do Carmo

A Regra do Carmo

- O Prólogo -

  1. Alberto, pela graça de Deus, chamado a ser Patriarca da Igreja de Jerusalém, aos amados filhos em Cristo B. e demais eremitas que, sob a sua obediência, vivem junto à Fonte no Monte Carmelo, a Salvação no Senhor e a Bênção do Espírito Santo.
  2. Muitas vezes e de muitas maneiras os Santos Padres estabeleceram como cada um, qualquer que seja o estado de vida a que pertença ou qualquer que seja o modo de vida religiosa que tenha escolhido, deve viver em obséquio de Jesus Cristo e servi-lo fielmente com coração puro e consciência serena.
  3. No entanto, como vocês nos pedem que, de acordo com o seu projecto, lhes demos uma forma de vida à qual, de agora em diante, devem manter-se fiéis:

Um chave de leitura para o Prólogo da Regra

Numa pintura antiga do século XIII, conservada num dos nossos conventos da Itália, apare­ce Santo Alberto entregando a Regra aos Carmelitas, lá no Monte Carmelo. De um lado, se vê Alberto rodeado por um grupo de pessoas. Do outro lado, o prior dos carmelitas rodea­do pela comunidade dos primeiros frades. No centro da pintura, se vê como a Regra passa da mão de Alberto para a mão do prior. No prólogo da Regra, Alberto se dirige a esse prior, mas não cita por extenso o nome dele. Escreve apenas a letra B. Não sabemos o motivo desta omissão do nome. Talvez seja para que cada carmelita, irmão ou irmã, colo­que o seu próprio nome. Pois, no momento em que nós, aqui e agora, fazemos a leitura da Regra, acontece connosco a mesma coisa que aconteceu lá no Monte Carmelo: a Regra passa da mão de Alberto para a nossa mão. A Regra é para nós que vivemos hoje! Por isso, convém fazer uma leitura bem solene.

O prólogo nos faz saber qual o rumo que a Regra indica para as nossas vidas como carmelitas. Ele consta de apenas três frases. Cada uma delas indica um aspecto do rumo que devemos seguir. “Qual o rumo que cada uma destas três frases indica para nós, irmãos e irmãs carmelitas?”.

Um pouco de história: os primeiros Carmelitas e o Patriarca Alberto

De acordo com as informações do próprio prólogo, os primeiros carmelitas já viviam em comunidade sob a obediência de B., perto de uma fonte, lá no Monte Carmelo. Eles tinham encontrado uma nova maneira de viver o Evangelho e queriam que ela tivesse a aprovação da Igreja. Por isso, redigiram uma "proposta" e foram falar com Alberto, Patriarca de Jerusalém. Esta pro­posta é o rascunho da futura Regra do Carmo, pois, como o próprio Alberto afirma no prólogo (Rc 3), ele aceitou a proposta e, com a sua autoridade, transformou-a em Forma de Vida, não só para aquele primeiro grupo de carmelitas, mas também para todos nós que viemos depois.

Tudo isto aconteceu entre 1206 e 1214, os anos em que Alberto foi Patriarca de Jerusalém. Não sabemos o ano certo. Alguns dizem que foi no ano 1209. É possível. Mas por causa do valor simbólico do número 40, achamos melhor dizer que foi no ano 1207. É que exactamente 40 anos depois, no dia 1º de Outubro de 1247, a Forma de Vida, dada por Alberto, foi oficialmente aprovada pelo Papa Inocêncio IV como Regra da Ordem do Carmo. O povo de Deus passou 40 anos no deserto, entre a saída do Egipto e a tomada de posse da Terra Prometida. O profeta Elias andou 40 dias pelo deserto até chegar na Montanha de Deus. Jesus jejuou 40 dias no deserto para preparar-se para a sua missão.

Nas poucas frases do prólogo Alberto tem a preocupação de situar os Carmeli­tas dentro da tradição do Povo de Deus. Imitando o jeito com que o apóstolo Paulo costumava começar suas cartas (Rm 1,1; 1Cor 1,1; 2Cor 1,1), Alberto apresenta a própria Regra como sendo o prolongamento e a actualização do Novo Testamento para os Carmelitas. Além disso, citando a carta aos Hebreus (Hb 1,1), ele faz saber que a vida dos carmelitas está em continuidade com a tradição dos Santos Padres da Igreja. Ele diz: Muitas vezes e de muitas maneiras os Santos Padres estabeleceram como cada um, qualquer que seja o estado de vida a que pertença ou a forma de vida religiosa que tiver escolhido, deve viver em obséquio de Jesus Cristo e servi-lo fielmente com coração puro e consciência serena. Naquele tempo, como hoje, havia muitas formas de se "viver em obséquio de Jesus Cristo". Havia os eremitas, os romeiros, os monges, os templários, os mendicantes. Havia as Regras de Santo Agostinho, São Basílio, São Bento, São Francisco. Havia muitas Ordens e Congregações. Mas Alberto reconhece que aquele grupo de carmelitas do Monte Carmelo tinha um caminho diferente, uma proposta nova. Apesar de serem chamados de eremitas como os antigos monges, os primeiros carmelitas tinham elementos novos e diferentes na sua maneira de viver o Evangelho. Nenhuma das Regras existentes correspondia à vida que eles queriam levar. Eles precisavam de algo novo.

A novidade deste caminho, próprio dos carmelitas, vai ser descrita na Forma de Vida que será a Regra do Carmo. É a Regra mais curta de todas que existem na Igreja! Cada carmelita, qualquer que seja o estado de vida a que pertença ou o modo de vida religiosa que tiver escolhido, procura viver esta Regra dentro do seu próprio estado de vida: homem ou mulher; casado ou solteiro; frade ou sacerdote; irmã de clausura ou de congregação; leigo, leiga ou membro do clero; ordem primeira, segunda ou terceira; membro de movimentos ou de associações que se inspiram na Regra do Carmo, ... Até hoje, todos nós nos reunimos ao redor desta mesma fonte para beber da sua água que brota para a vida eterna.

O rumo que a Regra do Carmo nos propõe

O rumo que a Regra do Carmo propõe é o rumo de todo cristão: Viver em obséquio de Jesus Cristo. A Regra descreve a maneira como os membros da família carmelita devem seguir por este rumo. A expressão "em obséquio de Jesus Cristo" vem de 2Cor 10,5. Na Idade Média, esta mesma expressão era usada para designar o novo tipo de Vida Religiosa que os mendicantes procura­vam levar. Naquele tempo, os empregados das grandes fazendas diziam: "Vivemos em obséquio de fulano de tal, senhor desta terra". Os carmelitas, como tantos outros romeiros e cruzadas, tinham saído desse mundo dos senhores da terra para ir em romaria até à Terra Santa. a terra de Jesus. Eles diziam: Nós vivemos em obséquio de Jesus Cristo, o Senhor da Terra Santa.

A expressão viver em obséquio de Jesus Cristo retoma a riqueza e a densidade da expressão Seguir Jesus dos evangelhos, onde se destacam três aspectos:

Imitar o exemplo do Mestre

No tempo de Jesus, quem seguia a um mestre tinha nele um modelo de vida, um exemplo a ser imitado. A convivência diária do discípulo com o mestre permitia um confronto perma­nente. Assim, quem seguia a Jesus tinha nele um modelo a ser reproduzido em sua própria vida (Jo 13,13-15). Nesta "escola de Jesus" só se ensinava uma única matéria: Jesus, ele mesmo! Hoje, isto exige de nós uma leitura constante e orante dos evangelhos (Rc 10) para que possamos conhecer Jesus, o modelo a ser imitado.

Participar do destino do Mestre

No tempo de Jesus, quem seguia a um mestre devia andar com ele em todo o canto, mesmo quando fosse difícil ou exigisse sacrifício. Assim, quem seguia a Jesus devia comprometer-se com ele e "estar com ele nas tentações" (Lc 22,28), inclusive na perseguição (Jo 15,20; Mt 10,24-25), e na morte (Jo 11,16). Hoje isto exige de nós um compromisso sério com aquilo que a Igreja pede de nós, a saber, a opção pelos pobres (Puebla), sem medo das consequências que possam seguir.

Ter a vida de Jesus dentro de si

Depois da Páscoa, à luz da ressurreição, acrescentou-se uma terceira dimensão. É a dimen­são mística, fruto da acção do Espírito Santo. É o que São Paulo define com a seguinte frase: "Vivo, mas não sou eu, é Cristo que vive em mim" (Gl 2,20). É o que o mesmo Paulo descreve na carta aos Filipenses, no texto que acabamos de ler: morrer com Cristo a serviço dos irmãos para poder viver com ele na Ressurreição (Fil 3,7-12). Hoje, isto exige de nós um exercício contínuo da presença de Deus. Meditar dia e noite na Lei do Senhor (Rc 10).

Somos chamados a viver em obséquio de Jesus Cristo e servi-lo fielmente com coração puro e consciência serena. A expressão coração puro e consciência serena vem de 1Tm 1,5. É vivendo dentro do rumo indicado pela Regra, que o coração se purifica e a consciência encontra a sereni­dade e a paz.

Coração puro

"Felizes os puros de coração, porque verão a Deus", disse Jesus (Mt 5,8). A "pureza de coração" é o ponto de chegada de uma longa caminhada. Ela indica a constância espiritual e a paz interior que permite fazer o discernimento dos espíritos. Ela percebe o que é de Deus e o que não é de Deus. Hoje, neste nosso mundo de TV e de supermercados, de propaganda política e de movimentos da moda, não é fácil para a pessoa discernir o que é de Deus e o que não é de Deus. A purificação do coração de que fala a Regra é muito actual e mais necessária do que nunca. É ver as coisas não com os olhos do mundo, mas com os olhos de Deus (Jo 17,11.19). É ter uma visão mais verdadeira de nós mesmos, da sociedade, da realidade, e uma consciên­cia mais crítica frente ao sistema neo-liberal que tomou conta de tudo e se apresenta a todos por todos os meios como sendo a única verdade.

Consciência serena

Alguns traduzem recta consciência. Preferimos traduzir consciência serena. Em português, a expressão "recta consciência" acentua a dimensão moral: uma consciência moralmente correcta. Sem excluir a rectidão moral, o acento da Regra é outro. É ter uma consciência fundamentada na humildade, no chão da realidade tal como ela é. O coração puro vai gerando em nós a consciência serena. É a consciência de quem, para além do seu próprio ego, encontrou em Deus a raiz do seu ser, a fonte da sua paz e da sua identidade. "Vivo, sim, mas já não sou eu. É Cristo que vive em mim!" (Gl 2,20).

Elias e Maria e o rumo da vida Carmelita

A Regra do Carmo alude ao Monte Carmelo e à fonte que lá existia, mas não fala do profeta Elias, nem de Maria. Não menciona os seus nomes. As duas figuras, que, desde o começo, marcaram e continuam marcando até hoje a espiritualidade do Carmelo, estão ausentes da Regra. Porquê? É que o único pedacinho de terra que eu não posso ver nunca é aquele que está debaixo dos meus pés. É o que me sustenta e me dá firmeza.

A fonte de que fala a Regra é a fonte do profeta Elias que, até hoje, existe no Monte Carmelo. A capela que construíram por ordem de Alberto era dedicada a Santa Maria do Monte Carmelo. Elias e Maria! O rumo que os carmelitas descobrem no profeta Elias é este: "Vivo é o Senhor em cuja presença estou!" (1Rs 17,1). O rumo que Maria indica para nós é: "Fazei tudo que Ele vos disser!" (Jo 2, 5). Este duplo rumo de Elias e Maria estava debaixo dos pés dos primeiros carmelitas e estava expresso na proposta ou rascunho que eles levaram para Alberto. Seguindo por este rumo, podemos viver em obséquio de Jesus Cristo e servi-lo fielmente com coração puro e consciência serena.

A Regra do Carmo não deve ser vista como um conjunto de normas para medir a perfeição da nossa observância, mas sim como uma porta que oferece um novo acesso até à fonte que é Jesus. Entrando por esta porta e seguindo por este caminho, o coração se purifica, a consciência encontra a serenidade (Rc 2) e a presença de Deus se manifesta. Vivendo a Regra, realiza-se em nós o que aconteceu com o profeta Elias no Karit: beberemos da fonte e seremos alimentados por Deus (1Rs 17,1-6). Realiza-se o que aconteceu com Maria em Nazaré: receberemos a Palavra de Deus e ela se encarnará em nossas vidas (Lc 1,38).

Carlos Mesters, Ao redor da fonte

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