Do Ofício Divino ou da oração em comum (n.º 11)

A Regra do Carmo

- Do Ofício Divino ou da oração em comum (n.º 11) -

11. Os que sabem recitar as horas canônicas com os clérigos, as recitem conforme as disposições dos Santos Padres e segundo o costume aprovado da Igreja. Os que não o sabem, recitem vinte e cinco vezes o Pai Nosso nas vigílias noturnas, com exceção dos domingos e dias solenes, em cujas vigílias determinamos que se du­plique o número mencionado, de modo que o Pai Nosso seja recitado cinqüenta vezes. No louvor da manhã, porém, a mesma oração seja recitada sete vezes. Da mesma maneira, em cada uma das outras horas, a mesma oração seja recitada sete vezes, menos nas vésperas, em que devem recitá-la quinze vezes.

Um pouco de história: Sobre os sete momentos de oração ao longo do dia

A Regra recomenda que os frades tenham sete momentos por dia, em que devem parar todas as atividades e fazer orações. A origem destes sete momentos de oração vem do Salmo 119,164 que diz: "Sete vezes por dia eu te louvo por causa de tuas normas justas". Assim nasceram as sete Horas do Ofício Divino: Matinas, Laudes, Hora Primeira (Prima), Hora Terceira (Tertia), Hora Sexta, Hora Nona e Vésperas com o seu Completório. As Laudes e as Vésperas são as duas colunas que sustentam o fio da caminhada diária: o louvor matinal e a ação de graças no fim do dia. A estrutura básica do Ofício é muito simples. É um diálogo: ouvir (leituras) e responder (salmos). O Ofício Divino acentua a importância dos salmos para nós.

No início, lá no Monte Carmelo, muito provavelmente, era assim: ao toque de um sino, cada frade parava suas atividades e fazia a oração do Ofício na sua própria cela. Cada um sabia: neste momento em que eu estou rezando, estamos todos unidos em oração diante de Deus. Naqueles mesmos sete momentos do dia, em todos os mosteiros e conventos de todas as ordens e congregações em todo mundo, todos paravam para rezar. Deste modo, os primeiros carmelitas se uniam à oração universal da Igreja.

O texto de Alberto de 1207 dizia: Os que conhecem as letras e sabem ler os salmos, devem recitá-los, nas várias horas, conforme estabeleceram os Santos Padres e segundo o costume aprovado da Igreja. Os que não conhecem as letras devem dizer um determinado número de Pai Nosso. Aqui, a distinção é entre os que sabem ler e os que não sabem ler. O texto aprovado pelo Papa em 1247 é diferente do texto de Alberto. Ele diz: Os que sabem dizer as horas canônicas com os clérigos devem recitá-las conforme estabeleceram os Santos Padres e segundo o costume aprovado da Igreja. Os que não sabem recitá-las, devem dizer um determinado número de Pai Nosso. Aqui, a distinção já não é entre os que sabem ler e os que não sabem ler, mas entre os que sabem dizer o ofício com os clérigos e os que não o sabem.

Isto significa que, bem no início, na época de Alberto, os primeiros carmelitas do Monte Carmelo não eram clérigos, mas leigos, dos quais alguns sabiam ler e outros não. Mais tarde, no texto aprovado por Inocêncio IV, "saber ler" tornou-se sinônimo de "clérigo", e "não saber ler" torna-se sinônimo de "não clérigo". O motivo desta mudança, hoje às vezes lamentada, era para tornar a Ordem mais apta para a nova situação da Igreja naquela sociedade em mudança. Ao longo dos séculos, isto levou à infeliz distinção entre sacerdotes e irmãos leigos. Hoje em dia, a situação de mudança em que nós nos encontramos, exige que voltemos ao espírito original da Regra, dando direitos iguais a todos.

O costume aprovado da Igreja, de que fala a Regra, refere-se ao Rito próprio da Igreja do Santo Sepulcro de Jerusalém, que era, por assim dizer, a igreja Catedral de Alberto, o patriarca de Jerusalém. Havia lá um rito centrado em torno da celebração da Ressurreição de Jesus. Sobre este Rito, que os carmelitas receberam junto com a Regra, falaremos mais adiante nos círculos 9 e 11.

A oração do Ofício Divino: unir nossa voz aos que no mundo não têm voz

Oração não é só um meio para alcançar um fim. Oração tem finalidade em si mesma. Era tarefa dos apóstolos dedicar-se à Palavra e à Oração (At 6,2-4). Oração é um ato de louvor ao Criador: reconhece Deus como Senhor supremo do tempo, vive a gratuidade e a doação, reconhece nossa total dependência, reconhece nossa falta e pecado. Oração é a respiração mais profunda da alma. Vigiar em ora­ção e meditar a Lei do Senhor é como fluxo e refluxo, sístole e diástole. Oração é a resposta à Palavra, é a fonte que acorda dentro de nós.

O número 11 da Regra retoma em comum o que, antes, o número 10 tinha recomendado para cada carmelita em particular, a saber: meditar dia e noite na Lei do Senhor e vigiar em orações. A vida de oração contínua é um fator muito importante na vida fraterna dos Carmelitas. Ela deve ter uma expressão comunitária: é o Ofício Divino que se espalha pelas horas ao longo do dia.

A vigília noturna, o louvor matinal, as horas do dia, a prece vespertina, a oração da noite formam juntos um ritmo que envolve as horas do dia e da noite. É o ritmo da criação, que existe no nosso corpo e na natureza. Rezando o Ofício, entramos neste ritmo, e ele entra em nós. O ritmo do dia e da noite organiza os dias, as semanas, os meses, o ano, distribuindo neles as festas que lembram a vida e as obras de Jesus. O que importa é entrar neste ritmo orante que abrange as horas do dia, as semanas, os meses, os anos. A forma das orações é relativa. Pode ser o Ofício Divino, pode ser a reza dos Pai Nosso (e das Ave-Maria), distribuídas pelas horas do dia e da noite. É um ritmo antigo, que vem desde os tempos de Jesus. Durante os 33 anos, sua vida era marcada pelo ritmo diário da oração em casa, na família: de manhã, ao meio dia e à noite; pelo ritmo semanal em comunidade, na sinagoga; pelo ritmo anual de acordo com as romarias das grandes festas, no Templo de Jerusalém.

Depois da reforma litúrgica do Vaticano II, o novo breviário concentrou os sete mo­mentos da oração em três ou quatro. Porém, o que importa, é cada comunidade ter os seus momentos de oração comunitária. Importante é manter sobretudo os dois momentos principais: de manhã, para o louvor da aurora; à tardezinha, para o louvor do fim do dia.

Rezando os Salmos do Ofício ou os Pai Nosso (e as Ave-Maria), nós nos unimos à Igreja, não na sua organização, mas na sua oração: à oração humilde dos pobres da América Latina; à oração silenciosa e suplicante dos doentes abandonados; à oração angustiada dos sem-terra e sem-teto, dos estrangeiros, dos presos, dos desempregados; à oração esperançosa dos romeiros que acendem uma vela em Aparecida do Norte; à oração do pobre que não tem ninguém que escuta o seu grito; à oração dos que buscam sem saber em que direção devem procurar; à oração dos que rezam sem saber que estão rezando!

Esta oração com a Igreja, sobretudo com os pobres, nos tira de nós mesmos, do nosso pequeno mundo, e nos abre para o mundo do outro, dos pobres. O ritmo da oração vai ritmando nossa vida. Assim, se realiza em nós o que a Regra afirma mais adiante: a palavra de Deus habitará abundantemente em nossa boca e vai descendo ao coração, desce até os pés e faz com que tudo que fazemos se faça na palavra de Deus (Rc 19). A oração nos vai plasmando, configurando a Jesus, em cujo obséquio queremos viver.

Breve comentário do Pai Nosso

A Regra privilegia a oração do Pai Nosso. Pede que ela seja rezada, ao todo, setenta e cinco vezes por dia, em cem vezes em dias de festa. Por isso, vale a pena dar um pouco de atenção a esta oração que é o salmo que Jesus nos deixou. Segue aqui um breve comentário.

  • Pai Nosso. Exprime o novo relacionamento com Deus (Pai). É o fundamento da fraternidade (Nosso Pai). A origem desta novidade é a experiência que Jesus teve de Deus como Pai.
  • Santificar o Nome. O nome é JAVÉ. Significa Estou com você! Deus conosco. Neste NOME Deus se deu a conhecer (Ex 3,11-15). O Nome de Deus é santificado quando é usado com fé e não com magia; quando é usado conforme o seu verdadeiro objetivo, isto é, não para a opressão, mas sim para a libertação do povo e para a construção do Reino.
  • Vinda do Reino. O único Dono e Rei da vida humana é Deus (Is 45,21; 46,9). A vinda do Reino é a realização de todas as esperanças e promessas. É a vida plena, a superação das frustrações sofridas com os reis e os governos hu­manos. Este Reino acontecerá, quando a vontade de Deus for plenamente realizada.
  • Fazer a Vontade. A vontade de Deus se expressa na sua Lei. Que a sua vontade se faça na terra assim como no céu. No céu o sol e as estrelas obedecem às leis de suas órbitas e criam, assim, a ordem do universo (Is 48,12-13). Assim, a observância da lei Deus será fonte de ordem e de bem-estar para a vida humana.
  • Pão de cada dia. No êxodo, cada dia, o povo recebia o maná no deserto (Ex 16,35). A Providência Divina passava pela organização fraterna, pela partilha. Jesus nos convida para realizar um novo êxodo, uma nova maneira de convivência fraterna que garante o pão para todos (Mt 6,34-44; Jo 6,48-51).
  • Perdão das dívidas. Cada 50 anos, o Ano Jubilar obrigava todos a perdoar as dívidas. Era um novo começo (Lev 25,8-55). Jesus anuncia um novo Ano Jubilar, "um ano da graça da parte do Senhor" (Lc 4,19). O Evangelho quer recomeçar tudo de novo! Hoje, a dívida externa não é perdoada!
  • Não cair na Tentação- No êxodo, o povo foi tentado e caiu (Dt 9,6-12). Murmurou e quis voltar atrás (Ex 16,3; 17,3). No novo êxodo, a tentação será superada pela força que o povo recebe de Deus (1Cor 10,12-13).
  • Libertação do Maligno. O Maligno é o Satanás. Ele afasta de Deus e é motivo de escândalo. Chegou a entrar em Pedro (Mt 16,23) e tentou Jesus no deserto. Jesus o venceu (Mt 4,1-11). Ele nos diz: "Coragem! Eu venci o mundo!" (Jo 16,33)
  • Amem. Aprova os pedidos e diz estar de acordo com este programa.

Carlos Mesters, Ao redor da fonte

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