Da comunhão de bens e do não ter propriedade (nn.º 12-13)

A Regra do Carmo

- Da comunhão de bens e do não ter propriedade (nn.º 12-13) -

12. Nenhum dos irmãos diga que algo é propriedade sua, mas tudo entre vocês seja comum, e seja distribuído a cada um pela mão do prior, quer dizer, pelo irmão por ele designado para este serviço, conforme cada qual estiver precisando, levando-se em consideração as idades e as necessidades de cada um.

13. Contudo, na medida em que alguma necessidade de vocês o exigir, lhes é permitido possuir burros ou mulos, e algum tipo de animais ou de aves para criação.

Um pouco de história: sobre a comunhão de bens

Na época em que os primeiros carmelitas começavam a sua vida no Monte Carmelo, os grandes mosteiros da Europa tinham muitas propriedades de terra. Por isso, podiam levar uma vida autónoma, distante do povo, dedicados inteira e exclusivamente à oração e ao trabalho (Ora et Labora). Os monges tinham pouco contato com o povo e viviam alheios às grandes mudanças econômicas, sociais e políticas que estavam ocorrendo nos séculos XII e XIII. Por causa da insegurança gerada pelas mudanças, surgiam grupos fanáticos (Cátaros, Albigenses e outros) que confundiam e desviavam o povo, sobretudo o povo pobre, os menores. Os monges não se sentiam chamados para ajudá-los, e o clero secular não estava preparado nem tinha condições de dar uma resposta ao problema dos pobres que enchiam as cidades (burgos), e de anunciar-lhes a Boa Nova.

Diante desta problemática foi surgindo, aos poucos, um novo tipo de Vida Religiosa que procurava ser uma resposta de Deus à nova situação em que vivia o povo. Era o assim chamado movimento dos Mendicantes. Foi sobretudo São Francisco de Assis que soube dar forma a este novo tipo de Vida Religiosa. Os Mendicantes eram pobres com os pobres, partilhavam tudo entre si e com o povo. Não tinham propriedade e viviam em pequenas fraternidades a serviço do povo, sobretudo dos menores, e anunciavam a eles a Boa Nova. Em troca, recebiam alguma esmola. Daí o nome Mendicante.

Ora, a insistência da Regra de Alberto na comunhão de bens e na proibição de os frades carmelitas terem alguma propriedade estava de acordo com este novo tipo de Vida Religiosa que estava surgindo na Igreja. A observância destas normas da Regra (Rc 12 e 13) fazia com que eles, aos poucos, fossem empurrados para dentro da Igreja que se renovava, levados a ficar do lado dos "menores" com a missão de serem no meio deles testemunhas vivas do Evangelho.

A fraternidade assim vivida era semente e amostra da nova sociedade que eles sonhavam. Eles já não serviam ao senhor feudal, mas sim a Jesus e a Nossa Senhora, e eram irmãos entre si. Não eram como as dioceses e os mosteiros, mas viviam perto do povo e concretizavam para eles o evangelho. Esta vida fraterna no meio do povo era um ensaio do Reino, uma Boa Notícia para os pobres. O voto de pobreza não era só um meio de ascese para poder rezar melhor, mas também uma forma concreta de se contestar a injusta desigualdade social. Dentro do contexto daquela época, sua vida tinha um alcance político.

Era a necessidade das pessoas (e não o lucro) que os orientava tanto na posse comum dos bens quanto na sua distribuição. A distribuição era feita por um responsável indicado pelo prior (Rc 12). Os bens em comum eram coisas simples: aquilo que recebiam do povo; burros e galinhas (para o tra­balho e a viagem); fruto do trabalho (roçado em torno das celas).

No entanto, não era fácil de observar aquela exigência da Regra de não ter propriedade. Como vimos na Introdução, durante os primeiros quarenta anos, de 1207 até à aprovação definitiva da Regra em 1247, os papas tiveram que intervir várias vezes, para impedir que este ponto fosse abandonado. Em 1247, na aprovação final, o papa Inocêncio IV, mesmo permitindo que possuíssem alguns animais (Rc 13), reforçou a proibição acrescentando no número 4 a cláusula “com abdicação de propriedade”.

O ideal da fraternidade: fazer do uso comunitário dos bens um caminho espiritual

O primeiro passo neste caminho

Não devo relacionar os bens comigo, com a minha pessoa, nem apropriar-me deles como sendo meus, mas sim fazer com que sejam relacionados com a comunidade a que pertenço. Não isolá-los do conjunto, mas possuí-los como parte do todo. Usar todos os bens materiais e espirituais, dons e qualidades, conquistas e diplomas, estudos e capacidades, tudo, como sendo uma parte dentro de um conjunto maior que é a comunidade.

O segundo passo neste caminho

Devo ver as coisas e os bens como dons recebidos. Pois tudo me é distribuído pela mão do responsável pela comunidade. A distribuição não é anónima, mas é feita por um irmão ou uma irmã, e ele ou ela olha as necessidades e a idade de cada um. O voto de pobreza não consiste em privar-me de tudo, mas sim em aprender a receber tudo que tenho e sou como um dom bem pessoal vindo da comunidade para mim, nesta minha necessidade e nesta minha idade.

O terceiro passo neste caminho

Devo olhar as coisas com um olhar que abre tudo para Deus. Se tudo me vem do irmão e da comunidade, se tudo faz parte de um conjunto maior, onde tudo tem o seu lugar, inclusive eu, a minha pessoa, então tudo tem a sua organização a partir daquele que criou tudo para todos e que faz com que tudo seja revelação da sua presença. Tudo se torna relativo frente ao absoluto de Deus. Não se agarrando a nada, recebe-se tudo. O caminho para se chegar ao todo passa pelo nada. Esta atitude transformará minha vida numa oração permanente de louvor e de ação de graças, como diz o salmo: "Eu sou oração!" (Sl 109,4). Transforma a comunidade e faz com que ela seja comunidade orante e profética a serviço do povo, sobretudo dos "menores".

O fundamento da fraternidade: o modelo das comunidades dos primeiros cristãos

Os números 10 a 15 da Regra descrevem o miolo da vida carmelitana, o ideal da fraternidade orante e profética. A proibição de ter propriedade e a comunhão de bens (Rc 12 e 13) estão no centro desta descrição. São o miolo do miolo. A própria estrutura literária o revela: Tarefa de cada um; Oração e vigília individual (Rc 10); Oração litúrgica em comum (Rc 11); Comunhão de bens e proibição de ter coisa própria (Rc 12 e 13); Celebração eucarística em comum (Rc 14); Tarefa da comunidade: revisão e zelo pelo bem comum (Rc 15).

Alberto tinha diante de si o modelo da comunidade dos primeiros cristãos de Jerusalém, da qual se diz nos Atos dos Apóstolos: "Ninguém considerava propriedade particular as coisas que possuía, mas tudo era posto em comum entre eles" (At 4,32). Assim também entre os carmelitas: tudo era de todos! Naquele tempo, este era também o ideal que animava a renovação da Igreja e da Vida Religiosa.

Comparando o ideal da Regra (Rc 10 a 15) com o que dizem os Atos dos Apóstolos a respeito da comunidade dos primeiros cristãos (At 2,42-47; 4,32-35), aparece o seguinte esquema:

  • Oração e vigilância (Rc 10) - "Perseveravam na oração" (At 2,42; 4,24).
  • Oração litúrgica (Rc 11) - "Frequentavam o Templo" (At 2,46-47).
  • Comunhão de bens (Rc 12 e 13) - "Tinham tudo em comum" (At 2,42.44; 4,32.34-35).
  • Celebrar a Eucaristia (Rc 14) - "Fração do pão nas casas" (At 2,42.46).

Revisão semanal (Rc 15) - "Eram um só coração e uma só alma" (At 4,32; 1,14).

Estes cinco pontos que marcaram a vida comunitária dos primeiros cristãos, formam também a base da fraternidade do jeito que esta deve ser vivida pela famí­lia car­melitana. Vejamos:

  1. A fraternidade deve alimentar-se da Palavra de Deus e da oração permanente: isto exige lei­tura orante e meditação constante (Rc 10).
  2. A fraternidade deve ter a sua expressão comunitária: oração litúrgica ou celebra­ção comunitária da Palavra de Deus (Rc 11).
  3. A fraternidade deve ter a sua expressão económica bem concreta na partilha dos bens, na igualdade básica real, na pobreza que os leva a ficar do lado dos "menores" (pobres) (Rc 12 e 13).
  4. A fraternidade deve alimentar-se da Eucaristia, que é a participação na Morte e Ressurreição: doação radical de si a Deus e aos irmãos (Rc 14).
  5. A fraternidade se consolida e se aprofunda através da revisão semanal, que promove a corresponsabilidade de todos no andamento do conjunto e no bem-estar de cada um dos irmãos (Rc 15).

Carlos Mesters

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